Queda de braço #USDBRL

O mercado acionário teve uma semana difícil, e como sempre acontece, precisava de um culpado. O vilão da vez foi o Federal Reserve, que deu a entender que talvez não reduza os juros como o mercado esperava. É curioso ver como os investidores se deixam levar por narrativas simplistas: será mesmo que alguém muda seus planos porque a taxa cai de 4% para 3% ao ano? A diferença é mínima, mas o impacto psicológico é imenso. Essa dissonância entre percepção e realidade lembra os estudos de Robert Shiller, que mostrou como as histórias contadas sobre o mercado valem mais do que os fatos que o sustentam.

Esse descompasso entre o que se conta e o que se vê ganhou nova força com a inteligência artificial. O Mosca vem alertando há meses para o embate que começa a se desenhar nas economias desenvolvidas: de um lado, o aumento da produtividade promovido pelo uso da IA; de outro, a destruição de empregos que ela inevitavelmente provoca. É a destruição criativa de Schumpeter, só que desta vez concentrada no trabalho humano.

Os números confirmam essa transição. Segundo levantamento da Challenger, Gray & Christmas, as empresas americanas anunciaram em outubro o maior número de demissões em mais de vinte anos — 26% delas relacionadas à automação e à IA. Esse dado desmonta o otimismo ingênuo de que a IA criaria mais empregos do que eliminaria. O movimento ainda está restrito aos Estados Unidos e Europa, mas a história mostra que as ondas tecnológicas sempre chegam aos emergentes — apenas com atraso.

Nas empresas, o fenômeno é visível. Uma pesquisa recente do Wall Street Journal mostrou que 85% das companhias já estão integrando IA em seus processos, ainda que boa parte delas confesse não entender completamente o retorno sobre o investimento. Mesmo assim, ninguém quer ficar de fora. O que se vê é uma corrida pela “carteirinha da IA”: quem não aderir agora teme perder o trem da história. E, como sempre, o mercado exagera.

A Bloomberg resumiu com ironia: “a IA está comendo todos os lucros”. A euforia levou gigantes industriais como Legrand, Schneider, Siemens e ABB a entrar na narrativa tecnológica — ainda que seus negócios reais pouco tenham a ver com algoritmos. É a prova viva de que a bolha da inteligência artificial não é restrita ao Vale do Silício; ela já se espalhou pelo Velho Mundo, travestida de “inovação estratégica”.

Na minha vida profissional, já testemunhei esse tipo de delírio mais de uma vez. Nos anos 1990, quando o mercado financeiro começou a adotar sistemas automatizados, havia quem jurasse que os “traders” estavam condenados. Lembro-me de reuniões em que analistas defendiam que bastava um modelo matemático para eliminar o risco. Décadas depois, a história se repete — só mudou o rótulo: agora o modelo chama-se aprendizado de máquina, mas a crença é a mesma. A diferença é que, desta vez, a automação não está confinada às mesas de operação; ela avança sobre todas as profissões.

Nesse cenário, poucas empresas conseguiram simbolizar melhor essa interseção entre tecnologia e discurso do que a Palantir. Com múltiplos altíssimos e lucros ainda modestos, a companhia se transformou em uma espécie de mito corporativo: vende mais uma narrativa do que um balanço. Seu fundador, Alex Karp, assumiu o papel de profeta moderno, copiando — sem disfarçar — a retórica de Elon Musk. A Palantir fala em “IA soberana”, em “sistemas de defesa preditiva” e “plataformas cognitivas”, mas o que realmente vende é esperança. E esperança, como se sabe, é o ativo mais volátil do mercado.

O Mosca já alertou: a produtividade gerada pela IA vai aumentar — mas à custa de empregos. É um dilema que vai perdurar por anos. Cada vaga eliminada por automação reforça a eficiência das empresas, mas corrói a base do consumo. Essa contradição não tem solução simples. O mercado celebra as margens mais altas e os custos menores, mas ignora que o desemprego tecnológico mina o próprio crescimento que pretende sustentar.

A cada ciclo de inovação, o capitalismo reinventa a si mesmo. No passado, a mecanização expulsou o trabalhador do campo para a fábrica; agora, a inteligência artificial expulsa o trabalhador da fábrica para... lugar nenhum. A nova “mão invisível” é um algoritmo. E, como diria Schumpeter, a destruição criativa não é uma metáfora — é um processo contínuo, implacável e socialmente doloroso.

Por isso, quando vejo o mercado reagindo a um discurso do Fed, fico com a sensação de que estamos brigando pela sombra do real. Enquanto analistas tentam adivinhar se a taxa cairá 0,25 ponto, as transformações estruturais do trabalho e do lucro estão se consolidando silenciosamente. O que está em jogo não é o próximo corte de juros, mas o novo contrato social que o avanço da IA vai impor.

O Mosca observa com cautela — e um pouco de ceticismo — esse embate entre produtividade e emprego. É uma queda de braço que não se decide em gráficos de inflação, mas em linhas de código. E, no fim, a tecnologia sempre vence. O problema é saber quem sobra de pé quando ela vence.


Análise Técnica

No post “O inimigo silencioso” fiz os seguintes comentários sobre o dólar: “Existem momentos em que não se tem muito a acrescentar, o dólar ameaçou recuperação, mas devolveu parte da alta se mantendo exatamente no nível que na semana passada. Com esse espectro, a tese de queda ganha uns pontinhos a mais. Para relembrar os leitores esse objetivo se situa ao redor de R$ 5,00 conforme destacado no retângulo”

O dólar nos mercados internacionais recuperou parte do terreno perdido desde o início do ano, nada de dramático, mas parou de cair, esse efeito também afeta as moedas emergentes, mas no caso do real o juro é tão elevado que existe um peso que puxa para baixo o dólar. Eu destaquei no gráfico abaixo o intervalo desde junho em que a moeda ficou contida num intervalo de 5% entre R$ 5,60 – R$ 5,30. Observem também que as altas são mais intensas, porém duram pouco tempo. Continuo aguardando a resolução desse embate entre comprados – normalmente zerando posições, e os vendidos.


O S&P 500 fechou a 6.832, com alta de 1,55%; o USDBRL a R$ 5,3012, com queda de 0,57%; o EURUSD a € 1,1536, sem variação; e o ouro a U$ 4.110, com alta de 2,73%.

Fique ligado!

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