O pior dos mundos #USDBRL

 

Quando a taxa de desemprego sobe em condições normais de temperatura e pressão, o esperado é que a inflação esteja contida e a economia em desaceleração controlada. Mas não vivemos tempos normais. A atual conjuntura dos Estados Unidos mistura fatores endógenos — como a decisão unilateral de elevar tarifas — com vetores exógenos, como o avanço da inteligência artificial. O resultado é uma combinação desconfortável para os formuladores de política monetária: sinais de fraqueza no mercado de trabalho sem alívio inflacionário suficiente.

O dado mais recente de emprego surpreendeu. A criação de apenas 73 mil vagas em julho seria um número fraco por si só, mas o impacto foi amplificado pelas revisões negativas de maio e junho, que eliminaram 258 mil postos previamente reportados. A taxa de desemprego subiu para 4,2%. No entanto, como aponta Ed Yardeni, é importante relativizar. O número total de pessoas empregadas atingiu novo recorde, e o total de horas trabalhadas também subiu no mês, sugerindo que a atividade permanece em expansão. Yardeni argumenta ainda que parte da fraqueza pode ser explicada pela incerteza causada pelas tarifas anunciadas recentemente.

De fato, as tarifas têm sido uma fonte de ruído. Robert Burgess classificou o novo pacote anunciado por Trump como o maior aumento de impostos sobre empresas e famílias em décadas. A alíquota média de importação saltou de 2,3% para 15,2%, segundo cálculos da Bloomberg Economics — a maior desde os anos 1930. As tarifas não são pagas por países exportadores, como sugere a retórica oficial, mas por importadores e consumidores americanos. No curto prazo, isso pode comprimir margens corporativas e alterar a dinâmica de preços, criando obstáculos para o controle da inflação.

Apesar disso, a economia americana ainda cresce. O PIB do segundo trimestre avançou 3% em termos anualizados (saar), número que mostra resiliência. Mas o pano de fundo já não é tão harmônico. A produtividade precisará avançar de forma consistente para compensar a estagnação da força de trabalho, potencialmente agravada por restrições migratórias. A conferir no relatório que será divulgado esta semana. O aumento do uso da IA levanta questões relevantes: quanto da retração na contratação pode ser explicada por automatização? Quando o impacto sobre produtividade será visível nos agregados macroeconômicos?

No campo dos ativos financeiros, a reação foi imediata. O mercado, que vinha embalado pela narrativa da IA e pela expansão fiscal, teve um choque de realidade. Conor Sen apontou a crescente desconexão entre a alta das ações e os dados econômicos reais. O S&P 500 bateu recorde no final de julho, mas fora do setor de saúde, não houve geração líquida de empregos no trimestre.

Diante disso, as expectativas para o Fed mudaram rapidamente. A curva de juros embutiu uma forte probabilidade de corte já em setembro, com o mercado agora projetando taxa abaixo de 3% até o fim de 2026. John Authers destaca que a queda nos juros futuros foi a mais intensa desde o “Powell Pivot” de 2023, quando o Fed indicou cortes iminentes que não se materializaram. Dessa vez, o pano de fundo é mais complexo: inflação ainda resistente, mercado de trabalho enfraquecendo e um presidente que demite a chefe do Bureau of Labor Statistics ao vivo, em rede social.

A demissão da comissária Erika McEntarfer após a divulgação dos dados foi interpretada como tentativa de interferência política no órgão estatístico — um movimento que compromete a credibilidade institucional dos EUA. A renúncia de Adriana Kugler ao Board do Fed reforça o temor de que Trump nomeie um novo presidente para o banco central mais cedo do que o previsto. Isso torna ainda mais difícil a condução da política monetária em um cenário já repleto de desafios.

Mesmo assim, o Fed manteve a serenidade. A decisão de manter os juros inalterados contou com dois votos dissidentes — ambos de indicados por Trump — mas não representa, segundo Bill Dudley, uma ruptura institucional. A maioria do comitê segue prevendo cortes graduais, e Powell permanece firme no cargo, ao menos por ora.

O pior dos mundos, portanto, não é uma catástrofe iminente, mas um ambiente onde variáveis se movem em direções contraditórias, dificultando diagnósticos simples. O Fed enfrenta um quadro em que a inflação resiste, o emprego desacelera, e a política fiscal atua de forma pró-cíclica com tarifas e estímulos. O risco de estagflação está no ar, mas ainda não se concretizou. Como disse Yardeni, “talvez tudo se acomode no longo prazo”, mas — como nos ensinou Keynes — no longo prazo, estaremos todos mortos.


Análise Técnica

No post: *europa-template-para-o-brasil* fiz os seguintes comentários sobre o dólar: "O dólar passou a semana passada dentro de um intervalo restrito, sem violar a opção de alta. Hoje pela manhã, se aproxima do objetivo mínimo de R$ 5,6276 — embora o ideal seja R$ 5,66272"


O dólar buscou ultrapassar o nível apontado no gráfico como objetivo de R$ 5,6276 por três vezes e sucumbiu, colocando em xeque minha ideia de alta. Com mais uma pequena queda, vou ter que mudar a estrutura sem, contudo, eliminar a opção de alta — isso só ocorreria na violação de R$ 5,3835. A área delimitada no retângulo em azul passa a ser crítica: se a opção de alta estiver em curso, essa passa a ser a região que não deveria ser violada.


É com satisfação — e um certo orgulho — que informo aos leitores que o Mosca ultrapassou a marca de 1.000.000 de visualizações.
Amanhã, o post será dedicado a relembrar parte dessa trajetória.

O S&P 500 fechou a 6.329, com alta de 1,47%; o USDBRL a R$ 5,5023, com queda de 0,73%; o EURUSD a € 1,1574, com queda de 0,10%; e o ouro a U$ 3.376, com alta de 0,40%.

Fique ligado!

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