A moleza de cálculo do valuation #IBOVESPA

 


Há um conforto enganoso no P/L — a razão preço/lucro — como se fosse uma bússola confiável para navegar o oceano incerto dos mercados. A teoria simplificada sugere: abaixo de 15, está barato; acima, caro. A prática, no entanto, prova que nem o “P” nem o “L” oferecem garantias sólidas. Em tempos de relativa estabilidade, essa métrica pode até servir como uma régua imperfeita. Mas quando o cenário se contorce sob forças imprevisíveis — guerras comerciais, tarifas punitivas, disputas geopolíticas e oscilações de política monetária — o P/L torna-se mais uma ilusão de segurança do que um indicador fidedigno.

O que merece atenção, porém, é a correlação entre os lucros corporativos e o S&P 500. Por mais que a narrativa de preços possa se desprender momentaneamente dos fundamentos, o elo de longo prazo entre ganhos e índices permanece resiliente.

O problema é que, neste momento, a bússola dos analistas de Wall Street está oscilando demais. Como aponta a Bloomberg, a variabilidade nas estimativas de lucro para empresas do S&P 500 aumentou cerca de 13% desde o início do ano, refletindo uma divergência incomum nas projeções. E, historicamente, períodos de alta dispersão nas previsões costumam anteceder recessões de lucros e correções de mercado. No estouro da bolha pontocom (2000-2001), na crise financeira (2008) e durante a pandemia (2020-2022), esse ruído nas projeções disparou antes da turbulência.

O pano de fundo atual é uma mistura tóxica de incertezas: tarifas norte-americanas em patamares historicamente elevados, ameaças de novos aumentos em setores estratégicos como fármacos e semicondutores, e um ambiente geopolítico que alterna entre o isolacionismo retórico e gestos calculados de aproximação com aliados. Como relata John Authers, o dólar estabilizou não por força de fundamentos internos, mas porque Washington, apesar das bravatas, manteve a guarda militar e política sobre seus parceiros estratégicos.
Essa tensão cria um paradoxo: de um lado, tarifas elevadas encarecem custos e pressionam margens, especialmente em setores importadores; de outro, a manutenção dos laços de defesa e do status do dólar como moeda de reserva impede uma fuga maciça de capitais. No mercado acionário, essa ambiguidade se traduz em valuations elevados — o S&P 500 negocia a 22 vezes o lucro estimado para os próximos 12 meses, patamar visto apenas no auge da bolha pontocom e na euforia recente das big techs.

O problema de manter múltiplos tão esticados num ambiente de incerteza crescente é que basta um choque — seja uma mudança abrupta no comércio global, um tropeço no crescimento ou um aperto monetário mais agressivo — para que as narrativas que sustentam o otimismo se desmontem rapidamente. Não se trata de prever um colapso iminente, mas de reconhecer que, com dados frágeis e análises divergentes, o mercado está operando com menos visibilidade do que aparenta.

O caso das farmacêuticas é ilustrativo. Ameaçadas por tarifas que poderiam chegar a 250% sobre importações para os EUA, essas empresas viram suas avaliações caírem, apesar da expectativa de que a alíquota final seja bem menor. O mercado não compra a ideia de que essas companhias serão plenamente protegidas; sabe que parte relevante dos custos pode ser repassada ao consumidor, mas teme que a reação política e social a preços mais altos seja um limitador.

A partir desse quadro, o que se pode esperar? Primeiro, que a volatilidade nas estimativas de lucro continue, alimentada por uma política comercial errática e pela dificuldade de quantificar o efeito real das tarifas na cadeia global de produção. Segundo, que as métricas simplistas — como o P/L “justo” — sejam ainda menos úteis em um mercado onde nem mesmo os analistas mais bem informados conseguem formar consenso.

É por isso que sempre prefiro me guiar pela análise gráfica, e não apenas no cenário atual. Ela não elimina incertezas, mas oferece sinais mais objetivos sobre o comportamento do mercado do que projeções fundamentadas em variáveis sujeitas a grande variabilidade — como as estimativas de lucro e seus múltiplos — que, diante dos argumentos apresentados, acabam perdendo boa parte do seu valor prático. O gráfico não prevê o futuro, mas registra, com precisão, a reação coletiva dos agentes diante dos fatos — e isso é mais valioso do que palpites sobre um amanhã cada vez mais difícil de modelar.

O valuation “moleza” que muitos praticam — dividir preço por lucro estimado e tirar conclusões — ignora a natureza dinâmica e incerta do próprio lucro. O que parece barato hoje pode se revelar caro amanhã, não por uma mudança no múltiplo, mas pela revisão abrupta no denominador. E, nesse sentido, a crescente dispersão nas estimativas é um sinal claro de que, no mínimo, o investidor deveria estar calibrando melhor seu grau de confiança.

O mercado pode até continuar sustentando múltiplos elevados enquanto a liquidez e a narrativa de crescimento persistirem. Mas, quando o pano de fundo se altera e as divergências aumentam, a história costuma ter um desfecho conhecido: o retorno a um ponto de equilíbrio mais baixo. Quem ignora isso, confiando apenas na “moleza” do cálculo, corre o risco de descobrir que estava fazendo contas na areia, à beira de uma maré que, inevitavelmente, sobe.

 

Análise Técnica

No post china-sobrevivente-da-guerra-tarifaria fiz os seguintes comentários sobre o IBOVESPA: “Vamos voltar para o gráfico em janela menor de 2 horas. Focando na região demarcada pelo retângulo laranja, podemos observar um movimento de 5 ondas dentro da elipse; em seguida, uma pequena queda que pode ser o início da onda 3 — que é a mais imponente da sequência. Para isso se confirmar, o bolsa não pode ultrapassar 135,7 mil e necessariamente romper 131,5 mil”


A bolsa brasileira vem recuperando lentamente o terreno perdido desde a mínima recente de 131,5 mil. Tudo indica que a correção demarcada está em andamento, mas se encontra muito próxima do nível que destaquei no gráfico de 135,7 mil. Com este cenário, ou reverte já ou vou ter que refazer minha hipótese.

Se ultrapassar o nível de 135,7 mil, essa correção deveria alcançar a área demarcada pelo retângulo azul entre 136,6 mil / 137,8 mil / 139,4 mil, de forma tortuosa — uma onda B. E o leitor antigo sabe que queremos distância dessa traiçoeira. Terminado esse movimento, deveria voltar a cair.


— David, parabéns pelo milhão (achei que iria distribuir os prêmios como o programa do Huck! Hahaha). Você está meio fraco de sugestões ultimamente, veja se trabalha mais! Se bater nesses níveis acima você vai vender?

Estava faltando sua acidez nas comemorações! Não vou vender, ponto. Para seu conhecimento, a região entre a linha azul e a vermelha horizontal é importante do ponto de vista técnico.

O S&P 500 fechou a 6.345, com alta de 0,73%; o USDBRL a R$ 5,4627, com queda de 0,83%; o EURUSD a € 1,1656, com alta de 0,70%;e o ouro a U$ 3.312, com queda de 0,26%.

Fique ligado!

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