Game of Trades: Um pregão por Dia #EURUSD



Com décadas nos mercados financeiros, já vi de tudo — ou pelo menos achava que sim. A frase “vivendo e aprendendo” nunca fez tanto sentido. O que estamos presenciando é inédito: um governante, por meio de decretos, ameaça desmontar a globalização não de forma gradual, mas praticamente overnight. É como se o mundo, acostumado a uma sinfonia econômica afinada, fosse forçado a ouvir um solo caótico de bateria. E o maestro? Um duelo entre os dois maiores atores do PIB global, cujas personalidades tornam o desfecho tão imprevisível quanto um pregão em pânico.

Donald Trump e Xi Jinping, os protagonistas, não poderiam ser mais opostos. Trump, um narcisista carismático, opera como um “general de palco”, movido por emoção, ego e a necessidade de dominar a narrativa imediata. Sua lógica é reativa: tarifas de 100% ou mais, anunciadas com estardalhaço, visam vitórias rápidas para aplausos instantâneos. Xi, por outro lado, é um “engenheiro de império”, estratégico e consciencioso, cuja paciência no tabuleiro do Go contrasta com o xadrez errático de Trump. Ele absorve golpes, como as sanções americanas, enquanto avança na autossuficiência chinesa, sempre com os olhos na perpetuação do poder do Partido Comunista Chinês (PCC).

Minha teoria é simples: se algo é ruim para todos, não acontece. Não enxergo a troca comercial entre EUA e China caindo a zero — seria um colapso mútuo. Substituir cadeias produtivas globais com um estalar de dedos é uma fantasia que nem o mais ardente protecionista sustenta. Taxas recíprocas acima de 100% levariam a uma recessão global, e nem Trump, com sua retórica, nem Xi, com sua disciplina, podem ignorar o custo. Mas será que a lógica prevalece quando personalidades tão díspares colidem? Para entender, fui além da intuição e busquei respostas em teorias e fatos.

Um Jogo de Tarifas e Nervos

John Authers, em sua coluna na Bloomberg Opinion sugere que a teoria dos jogos pode iluminar esse embate. Na visão de Authers, Trump joga como um “valentão” que intimida para extrair concessões rápidas, mas recua sob pressão intensa — o clássico chicken game, onde quem desvia primeiro evita o pior. Xi, por sua vez, adota uma postura de firmeza, sinalizando que a China não cederá facilmente, mesmo enfrentando custos econômicos. Authers aponta que o “piscar” de Trump, ao pausar tarifas após uma semana de caos nos mercados, reflete essa dinâmica: ele avança até o limite, mas retrocede quando o risco de colapso econômico ameaça sua narrativa de sucesso.

O recuo de Trump, detalhado pelo Wall Street Journal é um capítulo revelador dessa série de mercado. Após anunciar tarifas recíprocas e elevar as impostas à China para 125%, Trump enfrentou uma tempestade: o S&P 500 despencou, o Dow perdeu milhares de pontos, e o mercado de títulos entrou em pânico, com o rendimento do Tesouro de 30 anos batendo 5%. Executivos como Jamie Dimon, do JPMorgan, alertaram para uma recessão iminente, enquanto lobistas e líderes estrangeiros inundaram a Casa Branca com apelos. Em 9 de abril, horas após as tarifas entrarem em vigor, Trump postou no Truth Social: “Mais de 75 países querem negociar… Autorizo uma pausa de 90 dias e uma tarifa reduzida de 10%.” O mercado explodiu em euforia, com o S&P 500 subindo 9,5% — o maior ganho diário desde 2008.




Esse movimento expõe a fraqueza de Trump: ele é sensível ao mercado e à percepção pública. Como relatou o WSJ, ele acompanhou de perto o colapso dos títulos e ouviu conselhos do secretário do Tesouro, Scott Bessent, que o convenceu a recuar sem admitir derrota. Bessent, estrategista astuto, vendeu a pausa como parte do plano, enquanto Trump, fiel a seu instinto de showman, tuitou “É UM ÓTIMO MOMENTO PARA COMPRAR!!!” minutos antes do anúncio oficial. Suspeito? Talvez. A Comissão de Valores Mobiliários (SEC) poderia questionar se isso beira insider trading. Mas o mercado, aliviado, engoliu a narrativa.

Xi e o Tabuleiro de Go

Enquanto Trump improvisa, Xi permanece firme. A China retaliou às tarifas de 125% com medidas próprias, mas sem alarde. Como Authers sugere, Xi joga para o longo prazo, apostando que a paciência superará a impulsividade de Trump. A estratégia chinesa, detalhada em anos anteriores, inclui diversificar parceiros comerciais e acelerar a produção interna — um plano que tarifas, por mais duras que sejam, não desmontam facilmente. O “Phase One Trade Deal” de 2020, que Trump celebrou como vitória, não alterou a trajetória da China rumo à autossuficiência. Xi cedeu o mínimo, enquanto Trump aceitou o holofote.

A tensão atual, porém, é mais grave. Taxas de 125% são um ataque direto à economia chinesa, mas Xi não parece disposto a ceder além do necessário. Sua lógica é clara: qualquer concessão deve preservar a visão de uma China dominante em 2035. Diferente de Trump, que recua sob pressão doméstica, Xi opera em um sistema onde críticas públicas são abafadas, dando-lhe espaço para absorver choques econômicos temporários.

Game of Trades: O Próximo Episódio

Será que a teoria dos jogos explica tudo? Duvido. Trump e Xi não são jogadores racionais no sentido clássico. Trump, movido por emoção, pode escalar conflitos por orgulho ou recuar por medo de um crash. Xi, com sua razão rígida, pode subestimar a imprevisibilidade de Trump, arriscando um confronto maior. A pausa de 90 dias anunciada por Trump é um alívio, mas não o fim. Como escreve o WSJ, o mercado ainda está 11% abaixo de seu pico de fevereiro, e a incerteza persiste.

Essa saga me lembra Game of Thrones — uma série que, confesso, nunca assisti por ser longa demais, mas cujo sucesso reflete o fascínio pelo imprevisível. No mercado, cada pregão é um capítulo sem roteirista, onde oscilações de 10% em um dia, como vimos recentemente, desafiam até o mais calejado dos traders. Game of Trades é mais que um nome: é a realidade de um mundo onde o poder, o ego e a estratégia colidem, e ninguém sabe quem se sentará no trono. Enquanto isso, seguimos negociando, 24 horas por dia (ou quase — criptomoedas não dormem). Preparem-se: o próximo episódio já está no ar.

 

Análise Técnica

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No post “não-invente-em-seu-portfolio”, comentei sobre o euro: “O máximo que consigo dizer nesse momento é que, ultrapassando a barreira ao redor de € 1,10, o cenário de alta traçado no post ‘mawoga-que-raios-e-isso’ ganha força considerável.” Naquele gráfico, datado de 27/03, apontei os primeiros sinais dessa possibilidade.




Agora, é hora de olhar o cenário de alta com mais atenção. Não que os parâmetros técnicos apontem decisivamente para isso — o nível de € 1,1213 ainda não foi superado, e mesmo que seja, pode se tratar de um false break. Minha posição neutra me permite avaliar as duas hipóteses com tranquilidade. Caso a alta se confirme, o euro encontraria resistência próxima de € 1,1250, como indicado no gráfico abaixo.




Como saber em qual direção o euro está? Preparei duas ilustrações para os possíveis desdobramentos. No primeiro retângulo, à esquerda, temos o cenário de queda: após completar a onda V (laranja), o euro enfrentaria uma correção mais acentuada. No segundo retângulo, à direita, o cenário de alta prevê uma pausa corretiva seguida de nova escalada. Qual parece mais provável? Por ora, a hipótese de alta tem leve vantagem, mas depende de rompimentos claros acima dos níveis citados — algo ainda incerto.

Com os mercados imersos no Game of Trades, onde cada pregão é um episódio imprevisível, qualquer desfecho é possível. A análise técnica oferece pistas, mas, nesse tabuleiro, nem os gráficos escapam das jogadas inesperadas.

O S&P500 fechou a 5.277, com queda de 3,29%; o USDBRL a R$ 5,8976, com alta de 1,31%; o EURUSD a € 1,1195, com alta de 2,23%; e o ouro a U$ 3.173, com alta de 5%.

Fique ligado!

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