Me engana que eu gosto #S&P500

 


A expressão "Me engana que eu gosto", imortalizada por Elis Regina em 1977, nunca pareceu tão adequada quanto agora, diante do teatro geopolítico que se desenrola no Oriente Médio. Ironia e sarcasmo embalam a análise do ataque iraniano à base americana em Al Udeid, no Qatar, um movimento tão ensaiado que mais pareceu uma coreografia diplomática. O Irã, com sua precisão simbólica de 14 mísseis — ecoando o número de bombas americanas lançadas contra suas instalações nucleares —, avisou com antecedência, garantindo que ninguém saísse ferido. E o presidente Trump, em um gesto que beira o surreal, agradeceu publicamente a Teerã por tamanha "cortesia". Menos de oito horas depois, ele proclamava nas redes sociais um cessar-fogo entre Irã e Israel, como se a paz pudesse ser decretada por um post no Truth Social. Me engana que eu gosto, mas o mundo não é tão simples assim.

O que assistimos é uma encenação onde cada ator sabe seu papel, mas o público — nós, os espectadores dos mercados e da política global — ainda tenta decifrar o roteiro. O ataque iraniano, descrito em detalhes pelo Wall Street Journal , foi cuidadosamente calibrado. Teerã lançou mísseis após notificar o Qatar, permitindo que a base fosse esvaziada. A escolha de Al Udeid, um hub estratégico com 10 mil militares americanos, foi simbólica, mas o resultado foi nulo: nenhum ferido, nenhum dano significativo. O Irã, acuado após o ataque americano a suas instalações nucleares, precisava salvar as aparências sem escalar o conflito. Como observei no post anterior, “A última bala na agulha”, as opções de Teerã eram limitadas. Fechar o Estreito de Ormuz seria catastrófico, especialmente para seus aliados, como Iraque e China, que dependem da passagem de 20% da produção global de petróleo. A escolha pelo cessar-fogo, ainda que frágil, foi a menos pior.

Os mercados, sempre atentos, reagiram com uma racionalidade que contrasta com a histeria inicial. O petróleo, que chegou a ultrapassar US$ 80 por barril após o ataque americano, despencou para abaixo de US$ 70, como mostra o gráfico “Oil’s Big News Day” do Bloomberg Opinion.




Essa montanha-russa reflete a percepção de que o conflito, apesar de sua gravidade aparente, não ameaça diretamente a infraestrutura energética. A análise de Robin Brooks, da Brookings Institution, reforça essa visão: diferentemente da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, que elevou o Brent a US$ 120, os mercados estão “cansados” da violência no Oriente Médio. Um ataque a uma base militar, sem danos à produção de petróleo, é visto como um alívio. Ainda assim, a ameaça do Estreito de Ormuz paira como uma espada de Dâmocles, capaz de disparar os preços para além de US$ 130 por barril, segundo David Oxley, da Capital Economics.

Israel, por sua vez, joga um xadrez próprio. Conforme o WSJ, o país busca encerrar o conflito rapidamente, aproveitando a vantagem após os ataques americanos às instalações nucleares iranianas. Alvos como a prisão de Evin e o relógio “Destruição de Israel” em Teerã foram escolhidos para pressionar o regime, sinalizando que a prolongação do conflito seria insustentável. Mas a exaustão é mútua. Israel enfrenta custos diários de centenas de milhões de dólares, danos estimados em US$ 1,3 bilhão e uma população esgotada após 20 meses de guerras. Como disse Giora Eiland, ex-conselheiro de segurança nacional, “precisamos dessa calma quase tanto quanto os iranianos”.

O cessar-fogo, anunciado por Trump com fanfarra, é mais frágil do que parece. O WSJ relata que, horas após a trégua entrar em vigor, ambos os lados se acusaram de violações. Israel interceptou mísseis iranianos, enquanto Teerã denunciou ataques israelenses em três ondas. Trump, irritado, exigiu que Israel “não jogasse bombas” e chegou a postar que os aviões israelenses fariam um “aceno amigável” ao Irã. A retórica é audaciosa, mas a realidade é incerta. Qatar, que mediou as negociações, continua sem um mecanismo claro para monitorar a trégua, o que deixa o acordo à mercê de provocações.

Aqui entra a lição do artigo “Being Human Means Being a Bad Investor”, Joe Wiggins, citando Daniel Kahneman, alerta que tendemos a superestimar a importância do que está em nossa mente no momento. No caso do conflito Irã-Israel, o pânico inicial deu lugar a uma reação contida dos mercados. As bolsas globais subiram, e o petróleo caiu, como se a “catástrofe” nunca tivesse sido tão grave. A lógica evolutiva nos faz temer o pior, mas, como Wiggins aponta, “a maioria das coisas na vida não é tão importante quanto pensamos enquanto estamos pensando nelas”.




Esse gráfico, que compara a oferta e demanda global de petróleo, explica por que o impacto do conflito foi limitado. Diferentemente de 2022, quando a demanda excedia a oferta, hoje há um excedente, o que reduz a influência do Irã. Mesmo o Estreito de Ormuz, embora crucial, não é uma arma tão poderosa quanto parece, já que 95% da capacidade reserva da OPEP+ está em países que poderiam contornar um bloqueio.

O que fica é uma sensação de déjà-vu. O ataque iraniano de 2020, após a morte de Qassem Soleimani, seguiu um roteiro semelhante: mísseis, ferimentos leves, nenhuma escalada. Trump, na época, optou por sanções em vez de retaliação. Agora, com Qatar como intermediário e um cessar-fogo que mais parece uma trégua tática, a história se repete. Mas a paz no Oriente Médio, como sempre, é uma promessa distante. O Irã, apesar de enfraquecido, mantém sua retórica beligerante. Israel, com sua superioridade aérea, pode retomar ataques se detectar qualquer tentativa de reconstrução nuclear. E os mercados, cínicos, seguem apostando que o pior já passou.

Me engana que eu gosto, mas não me engano tão fácil. A trégua é um alívio, mas não uma solução. Enquanto escrevo, o dólar cai, pressionado por sinais de cortes de juros do Federal Reserve, e as bolsas sobem, indiferentes à tensão. Talvez seja hora de lembrar que, como humanos, somos péssimos investidores justamente por reagirmos ao calor do momento. A verdadeira aposta é se o cessar-fogo sobreviverá à próxima provocação. Por enquanto, fico com a ironia da expressão que dá título a este texto: me engana, mundo, que eu finjo acreditar — mas mantenho os olhos bem abertos.

 

Análise Técnica

No post “seus-100-mais-100-bilhões”, comentei sobre o S&P 500: “Se você mostrasse esse gráfico a um extraterrestre em Marte – conhecedor da Teoria das Ondas de Elliott – e perguntasse a razão da queda destacada na elipse abaixo, ele jamais mencionaria que eclodiu uma guerra em um país grande produtor de petróleo, com poderio militar de ambos os lados. Isso abre espaço para os objetivos de ~6.200 (alta de 2,5%) ou ~6.500 (alta de 7,5%).”




Tudo indica que a trajetória de alta está em curso. Diante disso, pretendo sugerir um trade de compra no momento oportuno, com objetivo ao redor de 6.500, conforme destacado no retângulo. É fundamental ressaltar que os níveis indicados na elipse precisam ser superados.




Como pretendo agir? Abaixo, apresento o gráfico com janela de 1 hora. Como se pode notar, a onda 5 laranja está próxima de se completar, com objetivo em 6.126 (+1,5%). A partir daí, surgem as duas possibilidades mencionadas anteriormente: 1 - se a onda 3 laranja no gráfico diário for concluída, uma correção de onda 4 laranja poderia ocorrer; ou 2 - essa onda 5 laranja é de grau menor, e, na retração, surgiria a oportunidade de compra. Complicado? Sem dúvida. Acompanhe o Mosca.




O S&P 500 fechou a 6092, com alta de 1,11%; o USDBRL a R$ 5,5109, com alta de 0,27%; o EURUSD a € 1,1613, com alta de 0,31%; e o ouro a U$ 3.323, com queda de 1,35%.

Fique ligado!

Comentários

  1. Mosca parabéns pelo trabalho. Sou leitor assíduo do seu blog. Gostaria que, por gentileza, se possível você analisasse o café arábica, ICFFUT na BMF, pela teoria de ondas de elliot. Foge um pouco do trivial mas penso que está em um momento interessante para um trade de venda. Obrigado!!

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  2. obrigado! infelizmente meus dados não tem acesso a BMF se puder me enviar o gráfico posso tentar dar uma olhada

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