O risco do copy - past #S&P 500


Às vezes, quando observo o mercado reagindo aos ruídos da semana antes de uma decisão relevante do banco central americano, me pergunto se não estamos todos reféns do que chamei de copy-paste mental: a tendência de repetir a cartilha econômica sem checar os exames. O tema voltou forte agora, quando o Fed entra na reta final para decidir se corta ou não os juros na reunião de dezembro. E o que vejo é um entusiasmo exagerado, quase automático, baseado em premissas que, ao olhar com cuidado, podem estar desatualizadas — ou simplesmente incompletas.

O pano de fundo começa pelo mercado de trabalho. Dias atrás, o consenso caminhava para uma pausa. Mas, de repente, uma série de autoridades do Fed passou a sugerir que prefere um corte preventivo. A presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, reforçou essa mudança ao afirmar que o mercado de trabalho está “vulnerável” e que existe risco de uma virada brusca, mais difícil de administrar do que um surto de inflação. Ela ressalta que o equilíbrio atual — de baixas contratações e baixas demissões — pode se quebrar com um simples choque de confiança. E quando isso acontece, a reversão normalmente é rápida.

Sim, é verdade que alguns indicadores de emprego arrefeceram. Mas é justamente aqui que começa o problema do paste-copy: olhar para a taxa de desemprego como se fosse um marcador líder. Não é. Nunca foi. É um indicador atrasado. Ele só se move quando a economia já virou. E, convenhamos, usar um número atrasado para justificar uma decisão de política monetária antecipatória é arriscado.


O dado mais importante no curto prazo deveria ser o GDPNow, que projeta um crescimento anualizado de 4,0% para o trimestre — um ritmo nada compatível com narrativa de economia em risco de colapso. O problema é que os dados oficiais do terceiro trimestre só serão divulgados no dia 23 de dezembro, véspera de Natal, como consequência do shutdown que paralisou os órgãos estatísticos americanos. Um atraso desses, em um dado tão crucial, beira o absurdo.

Enquanto isso, o mercado faz a festa. As curvas de juros embutem quase 100 pontos de cortes até o fim de 2026. É um nível de otimismo que contrasta diretamente com a realidade da inflação, que permanece teimosamente presa em torno de 3%, distante da meta de 2% e com pouca evidência concreta de aceleração da queda.


Um dos argumentos usados para justificar cortes é o risco de piora súbita no emprego. Mas o artigo de Allison Schrager mostra que o problema pode não ser esse — e sim outro: uma escassez estrutural de trabalhadores qualificados, amplificada pela inteligência artificial. Ela levanta um ponto central: a IA não elimina apenas cargos; ela exige habilidades que grande parte da força de trabalho simplesmente não tem hoje. Para piorar, estudantes de universidades de ponta começam a apresentar dificuldades básicas em matemática e leitura.


Com esse diagnóstico, surge uma ironia reveladora: a economia pode estar caminhando para um quadro em que o desemprego sobe, mas não porque as empresas demitem — e sim porque não encontram pessoas com o mínimo necessário para operar num mundo de automação. Schrager lembra ainda que os Estados Unidos dependem cada vez mais de imigração qualificada, mas o sistema migratório está travado, piorando o problema exatamente no pior momento.

Isso me traz de volta ao Fed. Para mim, está claro que muitos formuladores de política monetária estão lendo a realidade com as páginas trocadas. Eles enxergam fragilidade conjuntural, quando o que existe é uma transformação estrutural. E quando se confunde o que é estrutural com o que é conjuntural, a política econômica tende a errar na direção.

Outro ponto que me preocupa é a ausência temporária de dados confiáveis — algo que nunca deveria acontecer numa economia que pretende liderar o mundo. O WSJ deixa explícito que o governo não conseguirá recompor retroativamente alguns indicadores do período do shutdown, como inflação e desemprego de outubro. Ou seja: o Fed entrará numa reunião decisiva com pedaços inteiros do retrovisor faltando.

Isso cria um risco enorme de decisões tomadas por instinto estatístico, não por informação sólida. E decisões tomadas assim tendem a ser revertidas depois — o que aumenta a volatilidade, encurta horizontes e gera a sensação de que a autoridade monetária está tentando adivinhar o ponto cego em vez de iluminá-lo.

Alguns defendem que, mesmo assim, é melhor pecar por excesso e cortar os juros logo. Entendo o argumento. Mas prefiro uma política que confira atenção ao rumo dos dados, em vez de se antecipar a eles com base em suposições. O mercado pode não gostar, mas é melhor do que medicar o paciente sem resultados de exames e descobrir depois que a dose não era a indicada.

No Mosca, sempre busco olhar para onde a maioria não está olhando. E hoje o que vejo é um Fed tentando responder a sintomas que parecem conjunturais, quando a doença — se existe — é estrutural. O risco não está na inflação, nem no desemprego. O risco está no copy-past: na reprodução automática de uma narrativa que pode já ter caducado.

A Inteligência Artificial está mudando a produtividade, os fluxos migratórios, a demanda por mão de obra e até o ritmo de formação de capital. E, diante disso tudo, talvez o Fed esteja lutando a batalha de ontem. O desafio é que decisões baseadas no passado costumam ser ruins guias para o futuro.

 

Análise Técnica

No post “esqueceram-de-mim” fiz os seguintes comentários sobre o S&P 500: “Passada uma semana parece que a onda (4) vermelha não terminou e ainda existem novas quedas a frente. Abaixo aponto os possíveis níveis de reversão 6.640 / 6.556 (mais provável) / 6.474.”


A bolsa atingiu a mínima em 6.521 na última sexta-feira, ficando muito próximo do nível apontado acima como mais provável e iniciou uma reversão. É provável que a onda (4) vermelha tenha terminado e estamos rumando para o objetivo de 7.163. Estou aguardando a formação de 5 ondas numa janela menor para confirmar essa hipótese.


- Sabe David, as vezes acho que você demora muito para agir, nesse caso está na cara que a bolsa reverteu.

Eu entendo sua ansiedade e devo confessar que tenho que controlar a minha também, às vezes acaba acontecendo e fica na dependência da sorte. Mas tento me policiar o máximo. Voltando a esse caso, eu frisei acima que é provável e como sempre me baseio em evidencias estatísticas – no caso o impulso de reversão mais forte. Se o mercado subir hoje será possível contar 5 ondas, vamos aguardar.

Essa época do ano marca o início da temporada de projeções para o próximo ano, quando os analistas começam a soltar suas expectativas como se fossem certezas recém-descobertas. A tabela abaixo, preparada pelo Bank of America com a participação de seus clientes, não mostra exatamente otimismo: menos da metade acredita que o índice estará acima do nível atual, cerca de 20% projetam que ficará no intervalo em que já estamos, e o restante aposta em níveis mais baixos.

Um detalhe curioso — e revelador — aparece no intervalo entre 6.000 e 6.500 pontos, que foi publicado erroneamente como 7.500 a 8.000. Diferença pequena… só que não. Dá quase para imaginar o analista comprado em bolsa, tentando “dar aquela empurrada” nas expectativas. Hahaha


O S&P 500 fechou a 6765, com alta de 0,91%; o USDBRL a R$ 5,3864, sem variação; o EURUSD a € 1,1565, com alta de 0,38%; e o ouro a U$ 4.131, sem variação.

Fique ligado!

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