Decisão meio a meio #S&P 500
Nos anos 80, eu era tesoureiro do Banco Francês e Brasileiro, e a maioria dos nossos clientes eram multinacionais. Naquele tempo, as empresas se financiavam com linhas externas – quem é dessa época lembra bem da famosa Resolução 63.
Naquela época nós
inventamos a compra de ORTN (atual NTN) cambial futuro. A operação funcionava
assim: o banco comprava o papel escolhido pelo cliente e carregava no
overnight. Esse título era corrigido pela taxa Selic, e, no vencimento do
contrato, fazia-se a conta do preço de mercado ajustado — a diferença, positiva
ou negativa, era repassada ao cliente. Dessa forma, se houvesse uma
maxidesvalorização — e naquela época movimentos de 30% não eram raros, já que o
câmbio era administrado pelo governo — o cliente conseguia minimizar o custo da
linha externa. Podemos chamar isso de um “swap disfarçado”. O cliente, porém,
ficou em dúvida: havia o risco de oscilação do papel (refiro-me aos juros
implícitos do título) e resolveu fazer apenas metade da exposição.
A operação era de um
ano e todo mês passávamos o resultado. Era uma choradeira só: se o câmbio
andava e a operação era positiva, reclamava que tinha só a metade; ao
contrário, se o custo de carregar era maior que a desvalorização cambial,
gerando prejuízo, chorava porque tinha feito. No final, nem me lembro bem o que
aconteceu liquidamente, mas cheguei a duas conclusões que me guiaram na vida
profissional:
1. “Meio a meio é a pior decisão: sempre se lamenta pela metade perdida.”
2. “Hedge é o remédio tardio de uma especulação malfeita.”
Essas duas ideias
nunca me saíram da cabeça, especialmente quando o assunto é o dólar.
O dólar sob ataque
(de novo)
Em 2025, o
dólar-dólar, como costumo dizer — ou seja, o dólar contra as principais moedas
do mundo — entrou em descrédito. Quantos artigos não se apressaram em anunciar
o fim da supremacia americana? Falaram em de-dollarização, em ascensão do yuan,
e até em moedas digitais que “enterrariam o império verde”. Pois bem: entre a
mínima e a máxima do ano, o dólar chegou a cair 17%. Mas, desde setembro, vem
se recuperando lentamente.
O mercado adora
enterrar o dólar. E sempre cedo demais.
Será que o dólar virou pó? NÃO!
Ele deve se valorizar? Segue o Mosca.
O relatório da Goldman
Sachs — Dollar Dominance and Dollar Depreciation – Moving on Different Tracks —
explica bem essa dualidade. De um lado, o dólar segue soberano como moeda
internacional: domina 60% das transações globais, 50% das reservas e 40% dos empréstimos
internacionais. Nada perto de um colapso. Por outro lado, o banco prevê uma
depreciação cíclica: os Estados Unidos já não exibem a mesma excepcionalidade
econômica de anos atrás, e a moeda está supervalorizada em cerca de 14% no
índice de paridade real. Isso não significa perder o trono, mas ajustar o
preço. Em bom português: o dólar pode descer um degrau sem deixar de ser o rei.
As razões do
movimento
Os relatórios
convergem em um ponto: há vida longa ao dólar, mas ele terá de conviver com uma
transição lenta.
A Goldman destaca que
as tentativas de substituir o dólar são parciais e esbarram em limitações
estruturais.
O euro ainda sofre com a falta de unidade fiscal.
O yuan, com seus controles de capital, está longe de ser plenamente
conversível.
E as experiências de comércio bilateral em moedas locais — como Rússia e Índia
— acabam presas em desequilíbrios que tornam as reservas inúteis. Ou seja, não
há alternativa real à vista.
Além disso, o
crescimento explosivo das stablecoins dolarizadas reforça a influência da moeda
americana no mundo digital. O gráfico “Stablecoin Market Cap” deve ilustrar
esse ponto — mostra que mais de 95% das stablecoins globais seguem atreladas ao
dólar
O contraste com os
fundamentos
Enquanto isso, o
Deutsche Bank observa que o lucro das empresas americanas atingiu o topo do
intervalo histórico: crescimento médio de 11,3% no trimestre, o melhor
desempenho global desde 2022, com margens próximas dos recordes. Na Europa, as
companhias patinam em torno de 0%; no Japão, o iene fraco ajudou, mas o impacto
é localizado.
Ou seja: apesar do burburinho sobre o “fim do dólar”, os resultados
corporativos nos Estados Unidos continuam muito acima da média mundial — o que
sustenta o fluxo de capital e, portanto, a demanda por dólares.
É um paradoxo curioso: o mesmo vigor que reforça o poder econômico americano é o que, por excesso de sucesso, encarece o dólar e o torna candidato a corrigir. A economia dos EUA segue como referência, mas o mercado cambial é impiedoso: quanto mais alta a montanha, maior o tombo potencial.
O dólar como ativo
de carry trade
O artigo da Bloomberg
traz outro elemento essencial: a volta do carry trade com o dólar.
Com o Federal Reserve em pausa, mas sem pressa para cortar juros, o diferencial
de taxas tornou o dólar uma moeda atraente para quem busca rendimento em
operações alavancadas. Em resumo: quem toma emprestado em iene ou franco suíço
e aplica em títulos americanos está voltando a ganhar bem. O gráfico “Dollar
Carry Trade Returns” (inserir do Bloomberg, pág. 2) mostra claramente essa
retomada.
Esse movimento tende a sustentar a moeda por mais tempo do que muitos imaginam. Afinal, enquanto o juro americano for alto, há fluxo. E, como se sabe, fluxo é destino.
Entre a narrativa e
a realidade
A verdade é que a
ideia de que o dólar vai desaparecer é sedutora — mas preguiçosa. A história
mostra que moedas de reserva só perdem o trono quando o império que as sustenta
implode.
A libra esterlina, por exemplo, só foi destronada depois de duas guerras
mundiais, de uma dívida colossal e da perda de metade de sua participação no
comércio global. Os Estados Unidos, por mais desgastados que estejam, ainda
detêm o maior mercado de capitais, a maior liquidez e a confiança institucional
que nenhuma alternativa oferece.
É por isso que as
ondas de pessimismo com o dólar se repetem, e sempre com o mesmo desfecho: um
recuo temporário seguido de recuperação. O euro, o yuan – todos já se
alternaram como supostos substitutos. E todos falharam.
A lição do “meio a
meio”
Volto ao caso do meu
cliente dos anos 80.
O dilema dele reaparece agora, travestido de sofisticação: os investidores
estrangeiros que correram para se proteger do dólar no início do ano, fazendo
hedge cambial, estão prestes a encerrar seus contratos. Quando isso acontecer,
muitos vão se desfazer das posições — e, como no caso do meu cliente, alguns
descobrirão que a decisão de fazer “meio a meio” foi a pior de todas. Se o
dólar continuar firme, vão se lamentar por ter vendido; se enfraquecer, vão
choramingar por ter se protegido.
No fim, a história se repete: quem tenta equilibrar demais, perde dos dois lados.
E, como sempre, o mercado não perdoa indecisos.
Análise Técnica
No post “A Carteirinha
ficou mais cara”, fiz os seguintes comentários sobre o S&P 500:
“Na semana passada, o S&P 500 parece estar na onda (iv) vermelha,
e mantenho o nível de 6.751 como limite para qualquer retração. Vamos dançando
conforme a música.”
Com a queda registrada na semana passada, acabei ajustando minha contagem para identificar onde a onda (3) vermelha teria terminado. Desde a última sexta-feira, houve uma boa recuperação. Observando o gráfico agora, restam algumas dúvidas que permanecem abertas:
– A onda (4)
vermelha terminou ou ainda está em andamento?
– A onda (4) vermelha terminou e teremos novas altas?
– Existirá quedas maiores à frente?
- David, você ganha muito bem para não jogar suas dúvidas em nós! Vamos lá? É para comprar ou para vender?
Meu amigo, por
enquanto, nada!
O S&P 500 fechou a
6.846, com alta de 0,21%; o USDBRL a R$ 5,2728, com queda de 0,35%; o EURUSD a €
1,1584, com alta de 0,24%; e o ouro a U$ 4.130, com alta de 0,35%.
Fique ligado!
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