O culpado foi o chuchu (ou o ovo) #EURUSD

 


Henrique Simonsen foi um dos figurões da economia brasileira, defensor ferrenho da industrialização e de um Brasil pujante. Mas foi seu sobrinho, Mário Henrique Simonsen, quem acabou protagonizando um dos episódios mais cômicos – e trágicos – da história da inflação brasileira: a famosa inflação do chuchu.

O Brasil dos anos 1970 e 80 era uma bomba-relógio inflacionária, com preços disparando sem dó. Simonsen, então ministro da Fazenda no governo Geisel, tentou minimizar a crise com um argumento que entrou para os anais do ridículo. Ele afirmou que parte da inflação não era um problema estrutural da economia, mas sim uma questão sazonal, e citou o chuchu como exemplo. A lógica? Como era um legume de safra curta, seu preço oscilava muito e isso afetava o índice geral de inflação.

O problema é que a inflação não estava subindo só pelo chuchu – ela estava fora de controle! O povo via o preço do feijão, do arroz, da carne e da gasolina disparando, enquanto o ministro tentava empurrar a culpa para um legume insosso. O resultado? O argumento virou piada nacional, e o "chuchu inflacionário" se tornou o símbolo de um governo que não queria enxergar a realidade.

No fim das contas, Simonsen pulou fora do barco antes que afundasse de vez, renunciando ao cargo em 1979. Mas o estrago estava feito. A inflação só piorou, e o Brasil mergulhou de vez no caos econômico da década de 80, com juros estratosféricos e uma ciranda financeira sem fim. O chuchu, coitado, só queria ficar no prato de alguém, mas acabou virando símbolo do fracasso de uma política econômica que não soube segurar os preços.

Agora, a história parece se repetir nos EUA, mas desta vez com ovos. Na última publicação da taxa de inflação pelo CPI, o índice superou as expectativas, e os ovos foram um dos grandes responsáveis pela alta. Veja a seguir um resumo dos principais pontos publicados na Bloomberg e no Wall Street Journal.

O Fed parecia convicto de que a inflação estava sob controle e que, em breve, poderia cortar juros. Mas a realidade atropelou essa ilusão. O índice de preços ao consumidor subiu 0,5% em janeiro, o maior salto desde agosto de 2023, puxando a inflação anual para 3% e frustrando os mercados, que ainda acreditavam que Powell teria coragem de afrouxar a política monetária. Se havia dúvidas de que os cortes de juros estavam no horizonte, agora elas viraram pó. A inflação não apenas voltou a subir, mas o que a impulsionou foi justamente o pior tipo de aumento: aquele que se espalha pelo resto da economia.

 



O grande vilão da vez? Ovos! Sim, os preços desse humilde produto subiram impressionantes 15% em apenas um mês. Antes que alguém ache que isso é só um problema de galinheiro, vale lembrar que surtos de gripe aviária estão se alastrando pelo país, o que pode provocar novas pressões nos preços dos alimentos e desestabilizar ainda mais a inflação. Quem acompanha a economia sabe que quando os preços dos alimentos começam a subir, o efeito cascata é brutal. Basta lembrar o que aconteceu no passado: quando o Fed acha que um aumento é "transitório", ele rapidamente se espalha para toda a cadeia produtiva.

Mas os ovos são só a ponta do iceberg. Os aluguéis, os seguros de automóveis e os preços de bens duráveis também subiram – e não foi pouco. A chamada inflação "núcleo", que exclui alimentos e energia, acelerou para 3,3% ao ano, bem acima da meta de 2% do Fed. Essa era a parte da inflação que Powell esperava ver desinflando, e ela acabou fazendo o oposto. E o mercado de trabalho? Continua aquecido, dando mais fôlego para aumentos salariais e consumo. Resumindo: o Fed não pode afrouxar, e se a tendência continuar, a próxima discussão pode ser se os juros precisarão subir novamente.

 



Para piorar, Trump resolveu entrar na brincadeira e bagunçar ainda mais a equação. Suas novas tarifas sobre importações – especialmente sobre aço e alumínio – podem acelerar ainda mais a inflação, aumentando o custo para empresas e consumidores. Quem acha que isso não impacta o Fed precisa rever a história: tarifas sempre foram um motor de alta nos preços, e já há economistas alertando que, se essas medidas forem mantidas, a inflação pode ultrapassar 3,5% em 2025. Se isso acontecer, adeus corte de juros. O problema de Powell se transforma em uma dor de cabeça muito maior.




O mercado já entendeu o recado. As ações despencaram, os rendimentos dos Treasuries dispararam, e os traders de renda fixa rapidamente reduziram as apostas de corte de juros para apenas uma redução em 2025 – um contraste gritante com as oito que esperavam no ano passado. O pânico foi tal que os breakevens de inflação – que medem as expectativas futuras de inflação no mercado de títulos – subiram para os níveis mais altos dos últimos dois anos. Ou seja, os investidores estão cada vez mais convencidos de que a inflação veio para ficar e que o Fed terá que se manter vigilante.

No final das contas, o cenário é claro: o Fed está preso. Se cortar juros cedo demais, pode reacender a inflação e colocar sua credibilidade na linha. Se mantiver os juros altos por muito tempo, pode arriscar um enfraquecimento econômico – algo que Trump e o Congresso certamente usarão contra Powell. Mas, até agora, os dados não dão espaço para hesitação: nenhum banco central cortar juros com a inflação voltando a subir. Powell sabe disso, e os mercados estão começando a aceitar essa realidade.

Powell não teve tempo para fazer qualquer comentário sobre a publicação de ontem, mas certamente não gostou. O ovo passou a ser o vilão e espero que ele não use o caminho de Simonsen, porque, se assim for, pode entregar o chapéu mais cedo – melhor ele não ler o post de hoje, pode acabar tendo ideias!


Análise Técnica

No post não-segure-uma-faca-caindo, fiz os seguintes comentários sobre o euro:“Tudo indica que minha contagem está em curso e que a moeda única está em uma correção A – B – C em azul no gráfico a seguir. Uma oportunidade de compra pode surgir dentro do retângulo. Não sei se vou sugerir um trade, pois se trata de um movimento pequeno de alta – onda vermelha (2) – para uma possível queda maior depois.”




Ainda bem que não sugeri compra, conforme indicado acima – apostar em onda B é normalmente heroico, são as mais traiçoeiras. Mesmo com a indicação de que o Fed não vai baixar os juros tão cedo e o ECB está numa trajetória de queda, a moeda única continuou a subir. Como demarcado no retângulo a seguir, pode surgir um trade de venda daqui a pouco.




O S&P500 fechou a 6.115, com alta de 1,04%; o USDBRL a R$ 5,7643, sem variação; o EURUSD a € 1,0459, com alta de 0,75%; e o ouro a U$ 2.928, com alta de 0,86%.

Fique ligado!

Comentários

  1. Será que veremos uma postura de "alta temporária" dos preços em função de um receio de confronto com Trump? Outro ponto: Estou esperando a crise provocada pela desinversão das curvas de juros. O balanço de risco é extremamente assimétrico para altas nas bolsas.

    ResponderExcluir
  2. sobre o primeiro ponto, estou lendo inúmeros relatórios sobre o assunto, mas a verdade que ninguém sabe (inclusive o Trump) qual será o impacto dessas medidas. A unica coisa que podemos assumir é que terá um impacto temporário do qual o Fed não deveria reagir. Sobre a segunda observação, se é que eu entendi, não vejo por que a desinversão da curva poderia ser ruim para a bolsa de valores, ao contrário, acho que a curva negativa é que é ruim.

    ResponderExcluir

Postar um comentário