All-in! #Ibovespa
Uma jogada muito conhecida no jogo de poker chamada de All-in
acontece quando o jogador aposta todas as fichas que têm numa jogada.
Normalmente ocorre em situações extremas, ou quando o jogador tem um jogo que
considera imbatível, ou numa tentativa de blefe — se perder, sai do jogo; se
ganhar, fica numa posição relativa vantajosa. Resumindo: é uma jogada arriscada.
Eu sabia que o Brasil era dependente da China para suas exportações,
mas não tinha ideia da profundidade dessa dependência. Tom Miller, da Gavekal, escreveu
um artigo sobre essa penetração do nosso país. Fiquei surpreso com os valores
dessa relação comercial.
A economia instável da China é uma preocupação para os
exportadores de commodities, do Peru à Austrália. Mas poucos países são mais
vulneráveis do que o Brasil, que embarcou quase US$ 90 bilhões em minério de
ferro, petróleo, soja, carne bovina e outras commodities para a China em 2021,
respondendo por 65% de seu superávit comercial. As exportações brasileiras de
minério de ferro e petróleo estão caindo este ano. E sem a perspectiva de uma
recuperação significativa da construção ou o fim da política de zero Covid, a
demanda chinesa continuará decepcionando pelo menos nos próximos meses.
Mesmo quando mudar o ciclo imobiliário da China, mudanças
estruturais no mercado habitacional significam que sua demanda de longo prazo
por minério de ferro diminuirá. Como a guerra na Ucrânia aproxima a Rússia da
China, a concorrência do petróleo barato da Rússia também pode pressionar as
exportações brasileiras de petróleo, que caíram 36% no primeiro semestre deste
ano. O crescimento das exportações terá, portanto, de vir de commodities
agrícolas, onde as perspectivas são muito mais positivas. A maior oportunidade é
a iminente abertura do mercado de milho da China para os exportadores
brasileiros. Como a China pretende reconstruir sua indústria de suínos após a
devastação da peste suína africana, precisam de soja e milho brasileiros para
engordar centenas de milhões de porcos famintos.
Antes do primeiro turno da eleição presidencial do Brasil em 2 de outubro, Udith Sikand na semana passada defendeu o argumento do copo meio cheio para a maior economia da América do Sul. No entanto, ele admitiu que um colapso na demanda de importação da China poderia derrubar essa visão animadora.
Nas últimas duas décadas, o Brasil, assim como outras economias sul-americanas, tornou-se dependente da China para comprar commodities que minera e produz. Após uma curta, mas dolorosa, queda nas exportações em 2014-16, essa dependência se aprofundou nos últimos cinco anos: mais de 30% das exportações do Brasil foram para a China em 2021, 50% a mais do que no pico do “boom da China” de 2003-13, quando a crescente demanda chinesa elevou os preços globais das commodities. A China é o destino para dois terços das exportações brasileiras de minério de ferro e 80% das exportações de soja. Ambos valiam quase US$ 30 bilhões em 2021, representando juntos 65% das exportações totais do Brasil para a China.
Os exportadores de minério de ferro foram inicialmente protegidos da crise imobiliária da China por preços historicamente altos. As siderúrgicas sustentaram o mercado mantendo a produção em alta, esperando uma recuperação da construção. Mas como a recuperação ainda não se materializou, os estoques de aço estão crescendo e a produção está em queda. Rosealea Yao espera que a construção caia quase um terço este ano. Depois de chegar a US$ 220 a tonelada em julho, os preços do minério de ferro caíram para cerca de US$ 100. Isso ainda é maior do que a média de US$ 75 em 2015-20, mas a atividade de construção em declínio deprime tanto a demanda de importação quanto os preços.
No longo prazo, os exportadores de minério de ferro terão que enfrentar dois obstáculos. Primeiro, a tentativa de Pequim de arrancar o modelo de desenvolvimento da sua perigosa dependência do setor imobiliário. O líder Xi Jinping declarou que “a habitação é para morar, não para especular” desde2016. Mesmo que seja necessário mais um estímulo imobiliário de curto prazo para salvar economia nos próximos meses, a política de longo prazo ainda se concentrará em quebrar o ciclo prejudicial de expansão, excesso de oferta e quebra.
Alimentando um bilhão de porcos famintos
O problema para a China é que ela não pode produzir soja e
milho suficientes para alimentar seus porcos de fábrica. Em 2010, estimou-se
que 80% da arrecadação da China de restos de comida era usada como ração para
porcos. Hoje, porcos de fábrica são criados com farinha de soja misturada com
milho. A China depende das importações para cerca de 85% do seu consumo de
soja, com cerca de 60% vindo do Brasil. A China busca oficialmente ser
autossuficiente na produção de grãos, incluindo milho, mas tem lutado para
produzir o suficiente. A demanda por milho estrangeiro aumentou desde 2019, com
importações atingindo 28 milhões de toneladas em 2021, no valor de quase US$ 8
bilhões. A China é hoje o maior importador mundial de soja e milho.
Curiosamente, nenhum deste milho importado veio do Brasil,
apesar de ser um dos maiores exportadores do mundo. Os agricultores brasileiros
encontraram-se cortados do mercado chinês devido a rígidas regulamentações
fitossanitárias, com a China especialmente cautelosa em importar o milho
geneticamente modificado do Brasil. Em 2021, dois terços das importações de
milho da China vieram dos Estados Unidos, com o terço restante da Ucrânia. Mas
a guerra na Ucrânia mudou o cálculo para a China, apresentando uma nova e suculenta
oportunidade para os agricultores brasileiros.
Com importações da Ucrânia severamente interrompidas e a dependência
total dos EUA considerada um risco à segurança nacional, Pequim se voltou
urgentemente para o Brasil como um fornecedor alternativo de milho. Em maio,
apenas três meses após a invasão da Rússia da Ucrânia, finalizou um acordo para
permitir a importação de milho brasileiro a partir de 2023. Em agosto,
renunciou a uma cláusula para permitir que as primeiras remessas chegassem à
China este ano. Para os produtores brasileiros de milho, um novo e vasto
mercado acena. "Eu acredito que nossas exportações de milho agora vão
crescer como as de soja”, diz Marcus Jank, professor de agronegócio global na
Universidade Insper, em São Paulo.
Olhando para o futuro, o maior desafio pode ser manter o
domínio do Brasil sobre o mercado de soja da China. Seu concorrente mais
provável é a Rússia, onde a mudança do clima está expandindo a área de produção
potencial de milho e o agronegócio chinês está investindo pesado. Países
africanos como a Etiópia e o Sudão também têm potencial para se tornar um
grande produtor, dada a similaridade de condições entre a savana africana e o
Cerrado brasileiro, onde a maioria da soja do Brasil é cultivada. “A China não
precisa comprar nossa soja para sempre”, destaca Jean Taruhn, Assessor Especial
do Ministério da Agricultura do Brasil. Ainda assim, o domínio do Brasil no
mercado da China é provavelmente seguro para os próximos 10 anos ou mais.
De qualquer forma, muitos economistas brasileiros gostariam
de reduzir a dependência dos compradores chineses de soja. Assim como o aço, a
demanda chinesa por carne suína pode atingir um pico e um platô na próxima
década, já que os consumidores chineses buscam uma dieta mais diversificada. Mas
isso apresenta outras oportunidades, especialmente para produtores de carne bovina.
O mercado de carne bovina da China já vale cerca de US$ 5 bilhões por ano para exportadores
brasileiros, e há muito espaço para crescimento, já que em média o consumidor
chinês come 10 vezes mais carne suína do que bovina. Para o Brasil, aumentar o
consumo de carne bovina chinesa em um quilo por cabeça se traduziria em 1
milhão de toneladas de exportação de carne bovina, diz o professor Jank.
Em um mundo ideal, uma maior diversificação das exportações
significaria vender mais bens de valor agregado para a China, desde alimentos
embalados até manufaturados avançados. No mundo real, o Brasil tem oportunidade
de diversificar e ampliar o fluxo de produtos agrícolas para a China, de milho
e carne bovina a frutas e peixes. Se o “boom da China” original no Brasil foi
baseado na exportação de minério de ferro, o novo boom tem tudo a ver com
exportações agrícolas. O impacto econômico será em grande parte dependente dos
termos de troca, que atualmente estão trabalhando a favor do Brasil. Se os
preços globais dos alimentos continuarem altos, os agricultores do Brasil
emprestarão uma mão dando uma boa mão para o próximo governo.
Tudo na China é enorme — também, com 1 bilhão de habitantes precisa
de muito alimento. Ser um grande fornecedor coloca o Brasil na dianteira nesse
mercado de commodities, e do ponto de vista do produto está muito bem colocado.
Eu destaquei no texto o volume exportado para a China e em
nenhum mercado é menor que 50%, o que mostra uma perigosa dependência.
Commodities não é como o jogo de poker, pois se não exporta
para um país pode exportar para outro, desde que o produto seja desejável nesse
outro país. Porém, nesse caso o Brasil é mais dependente do que a China, pois ela
pode plantar mais ou aumentar seu rebanho de porcos, e aí sim o problema seria
maior. Como essa mudança demoraria muito tempo, ter uma política All-in não
parece arriscado, mas no médio prazo pode ser.
No post economia-voltando-as-origens, fiz os seguintes comentários sobre o Ibovespa: ...” A bolsa continua sem uma definição neste curto prazo; desde a última publicação ameaçou uma alta, porém foi surpreendida pela queda das bolsas internacionais ontem, embora em menor magnitude — o que é raro ocorrer” ... Na semana passada, eu postei duas hipóteses para o andamento dessa correção, e o movimento desta semana não deu pistas qual deles passa a ser o preferido. Vou trabalhar com um deles sem muita prioridade.
Um assunto ao qual o mercado ficará muito atento será na trajetória da dívida pública brasileira, que não se encontra em num nível crítico segundo os parâmetros “modernos”, pois 100% do PIB já não é tão difícil de encontrar por aí. Por outro lado, com o juro real atualmente subiria de forma acelerada. Como ilustra o gráfico a seguir estamos na dianteira nesse quesito e no modo acelerado.
Fique ligado!
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