Eu odeio previsões anuais #S&P 500


Todo final de ano repete o mesmo ritual: relatórios, apresentações e lives cheias de gurus tentando antecipar o futuro, como se o mercado obedecesse a um calendário. Para quem acompanha o Mosca, esse incômodo com previsões anuais não é novidade. Eu simplesmente não vejo utilidade prática em transformar um ano inteiro em um número único e solene, como se fosse possível resumir incerteza em uma projeção pontual. E, no entanto, a indústria financeira insiste em produzir essas tabelas de “alvos” porque sabe que o investidor médio precisa de segurança — ou da ilusão dela.

O texto de Joe Wiggins expõe exatamente esse teatro: previsões repetem sempre as mesmas fórmulas, mudando apenas o adjetivo da moda. Em 2026, o adjetivo é “IA”. O investidor deve ser seletivo, a diversificação é indispensável, a incerteza é elevada, grandes temas estruturais estão em andamento, um risco difuso ronda o horizonte e, para completar, “algo importante está mudando na ordem mundial”. Essa liturgia não muda. A cada dezembro, bastaria imprimir o relatório do ano anterior e substituir as datas — ninguém notaria a diferença.

Apesar disso, mantenho uma prática que gosto de preservar: escolher o “Tema do Ano”. Em 2025, a pergunta foi se Trump 2.0 seria um sucesso. A resposta não é binária, mas sua presença dominou completamente o debate público. Para 2026, a inquietação é outra: a inteligência artificial vai se pagar? Depois de um ano em que capital, energia, infraestrutura e expectativas foram empurrados ao limite, esta será a questão central dos próximos meses. A tecnologia não precisa provar que é transformadora — isso já está claro. O que precisa é demonstrar retorno. E retorno não se projeta com slogans.

Quando avanço para os estudos mais densos, a diferença de postura fica evidente. Yardeni, como sempre, é quem assume a visão mais expansivamente otimista. Para ele, os próximos anos devem continuar dentro dos “Rugidos da década de 2020”, com produtividade acelerando de maneira inédita, lucros corporativos renovando recordes e o S&P 500 seguindo um caminho quase geométrico. Seus números são claros: os lucros por ação teriam saído de US$ 268 em 2025 para US$ 310 em 2026, avançariam a US$ 350 em 2027, chegariam a US$ 400 em 2028 e alcançariam US$ 450 em 2029. Com esse ritmo, e com múltiplos entre 18 e 22 vezes lucro, o índice poderia atingir 10.000 pontos no fim da década — uma projeção ousada, mas fundamentada em ganhos contínuos de produtividade.


Gráfico

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.


Esse cenário tem lógica interna: se a IA realmente destrava eficiência, margens podem, de fato, subir. Mas é um cenário que exige execução perfeita, ausência de choques e um alinhamento improvável entre política monetária, investimento privado e estabilidade global. O mercado raramente entrega essa combinação por muito tempo.

Do outro lado, a Bloomberg coleta as previsões dos estrategistas das principais casas de Wall Street e chega a um número bem diferente. O alvo médio para o S&P 500 no final de 2026 é de 7.269 pontos, algo próximo de 5% a 6% acima dos níveis atuais. É uma estimativa que, apresentada assim, parece cautelosa; mas, quando comparada ao comportamento histórico do índice, revela quase pessimismo. Anos medianos são raros — o normal é o mercado ou surpreender para cima, ou desapontar com força. Ainda assim, o consenso está ancorado nesse meio-termo desconfortável.

O mais curioso é que esse mesmo levantamento mostra que mais de três quartos dos gestores globais estão posicionados para um ano de tomada de risco, com carteiras inclinadas para ações e pouca disposição em retornar a posições defensivas. Para eles, o ciclo de inteligência artificial ainda está longe do ponto de saturação. A leitura é que margens continuam fortes o suficiente para justificar valuations elevados, especialmente entre as maiores empresas do setor.

Mas justamente aqui o novo relatório do Deutsche Bank desmonta uma parte importante dessa serenidade das previsões consensuais. No estudo Curveballs 2026, Jim Reid lembra que, quando se observa um século de retornos do S&P 500, a história não recompensa o investidor “do meio”. Pelo contrário: os anos medianos são exceção — e os extremos são a regra. Como mostra o gráfico abaixo, a faixa de retornos entre 15% e 20% ao ano é o resultado mais frequente da série histórica, muito mais comum do que oscilações moderadas entre 5% e 10%.



Essa constatação muda completamente o peso das previsões tradicionais. Enquanto o consenso da Bloomberg fala em S&P 500 por volta de 7.269 pontos, os estrategistas do Deutsche Bank projetam algo bem mais ousado: 8.000 pontos até o fim de 2026, um dos cenários mais agressivos divulgados neste ciclo. E Jim Reid argumenta que, longe de ser um delírio otimista, esse número estaria em linha com o comportamento modal do índice ao longo de 100 anos, especialmente considerando que quase 40% dos anos entregaram retornos superiores a 20% — percentual que levaria naturalmente o S&P para níveis acima de 8.000 se repetido em 2026. O relatório ainda lista possíveis “surpresas positivas”, como reativação do crescimento impulsionada por IA, alívio tarifário global e até uma fase temporária de estabilidade política. Do outro lado, reconhece os riscos: inflação persistente, valuations elevados e vulnerabilidades fiscais que podem reverter esse otimismo. Mas o ponto central é direto: 2026 tem mais chance de produzir um extremo do que um ano morno — para cima ou para baixo.



A visão global reforça essa convicção. Os levantamentos apontam para a possibilidade de um quarto ano consecutivo de altas expressivas no índice MSCI All-Country World, sustentado por lucros crescentes, expansão do capex, estímulos governamentais na Europa e Ásia e uma onda de investimentos diretos em modernização tecnológica. O otimismo inclui ainda a percepção de que regiões como Índia e Coreia podem ter reavaliações relevantes, fechando o diferencial histórico de crescimento em relação aos Estados Unidos.



Mas o mesmo conjunto de relatórios traz um alerta que a indústria tenta suavizar: se a IA entregar retorno abaixo do esperado, o impacto pode ser violento. A teoria de que “não há bolha porque há lucro” depende de que esse lucro continue crescendo em velocidade superior ao custo de capital das próprias empresas. É um equilíbrio sensível, especialmente quando se observa a explosão de investimentos em infraestrutura digital e energia — duas frentes que, inevitavelmente, pressionam margens no curto prazo.

No final, ao juntar esse mosaico, o quadro de 2026 fica mais claro. A maior parte dos analistas acredita em alta para o S&P, mas uma alta limitada. O consenso de 7.269 pontos está longe do otimismo estrutural de Yardeni e Deutsche Bank, e mais perto de uma acomodação entre esperança e prudência. Por outro lado, a convicção de que a IA será um vetor de ganhos contínuos é quase unânime entre gestores, o que, paradoxalmente, aumenta o risco de surpresa.

Assim, quando o mercado entrar em janeiro com esse conjunto de expectativas — produtividade em aceleração, lucros avançando, múltiplos sustentados e uma confiança elevada na tecnologia — o ponto decisivo não será a previsão em si. Será a capacidade da inteligência artificial de transformar promessas em retorno financeiro mensurável. O debate de 2026 não é sobre para onde o S&P vai; é sobre se o motor que empurra essa narrativa realmente entrega o combustível necessário. E é isso que o Mosca vai acompanhar de perto, sem cair na armadilha de fingir que números escritos em dezembro são suficientes para explicar o ano inteiro.


Análise Técnica

 No post *“penalti-sem-goleiro”*, comentei que: em uma janela de duas horas, era possível observar a formação de cinco ondas no S&P 500 — com duas interpretações possíveis. A onda parecia muito forte, e em situações assim não se deve operar agressivamente na entrada. Naquele momento, o critério apontava níveis entre 7.158 e 7.197, com um potencial adicional próximo de 5%, o que me deixou preparado para entrar. Fiquem atentos.


Como mencionei, entrei na bolsa na semana passada. Desde então, o mercado segue indeciso. Amanhã o Federal Reserve anuncia sua decisão de política monetária, e o consenso aponta para um corte de 25 pontos-base. Além disso, serão divulgadas as projeções econômicas atualizadas e, especialmente, a coletiva de imprensa — ponto em que o mercado deverá se fixar.

Outro fator importante é a iminente indicação de Trump para substituir Powell na presidência do Fed em maio do ano que vem. John Authers lembra que, além dos tradicionais *altistas* e *baixistas*, surge agora o papel do *“lame duck”*, expressão usada para definir alguém que permanece no cargo, mas já sem poder efetivo de influência — o que descreve bem a posição atual de Powell enquanto o mercado observa seu sucessor ser moldado politicamente.

Authers destaca ainda que, mesmo com a expectativa de corte imediato, as taxas de dez anos continuam subindo, algo incomum em ciclos de afrouxamento monetário. Segundo ele, isso revela a dúvida do mercado sobre a capacidade de o Fed entregar uma trajetória agressiva de queda de juros. O boletim mostra que traders projetam a taxa básica em torno de 3,2% no fim de 2026, independentemente da decisão desta semana.

Mantenho, portanto, os mesmos níveis técnicos mencionados anteriormente.


O S&P 500 fechou a 6.840, sem variação; o USDBRL a R$ 5,4392, com alta de 0,15%; o EURUSD a € 1,1626, com queda de 0,10%; e o ouro a U$ 4.212, com alta de 0,52%.

Fique ligado!

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