A Armadilha do IPO #IBOVESPA

 


Eu tenho um amigo que se enveredou no mundo de empresas públicas e desandou seu negócio. Ele tinha uma empresa bem administrada, com resultados positivos em um setor desafiador, especialmente nos anos 90, quando a inflação era galopante. No entanto, foi durante o boom de abertura de capital, em 2008/2009, que ele foi seduzido por um banco de investimento a abrir o capital.

Acostumado a avaliar o valor de sua empresa pelo patrimônio, o valor oferecido por parte de suas ações, a um múltiplo bem superior às suas "contas de padeiro" (como se diz na gíria), o convenceu a abrir o capital. Antes desse momento, durante uma caminhada, eu o alertei de que ele perderia a gestão de sua empresa da forma como sempre havia feito. Usei até uma metáfora: “você vai virar escravo do mercado”. O que eu quis dizer é que, a partir do momento da abertura, seria necessário crescer constantemente, pois, caso contrário, seria penalizado pelo mercado. Mas a sedução do valor falou mais alto.

Passado algum tempo, uma crise atingiu severamente seu setor, principalmente sua empresa. Acostumado a apresentar lucros, ele precisou enfrentar vários anos de prejuízo, entrando em um ciclo vicioso: custo de capital elevado pela queda das ações, tornando proibitivas novas emissões; empréstimos caros, obrigando a empresa a encolher. Como "encolher" é um palavrão para empresas públicas, suas ações seguiram em um movimento ininterrupto de queda.

Infelizmente, aconteceu o que eu havia alertado: nem sempre uma empresa familiar bem-sucedida se transforma em uma empresa aberta rentável.

O caso do meu amigo, no entanto, não é isolado. O encolhimento das empresas públicas no maior mercado do mundo vem ocorrendo desde o ano 2000, como relata John Authers na Bloomberg.

O mercado de ações dos EUA parece imparável, mas grande parte de seu sucesso se deve à forma como está sendo gradualmente reduzido. Desde o pico no início deste século, mesmo com os preços retomando sua trajetória ascendente, o próprio mercado encolheu e cedeu terreno para ativos privados. Quando grandes grupos de investimento elaboram suas premissas de capital de longo prazo, como relatado pelo Points of Return no mês passado, a premissa universal parece ser que o private equity e o crédito privado terão um desempenho melhor do que qualquer outra coisa.

Isso pode ajudar a explicar por que as instituições têm investido cada vez mais entusiasticamente em mercados privados nas últimas duas décadas, e porque alguns dos maiores players em ações cotadas, notavelmente a BlackRock, estão seguindo esse caminho comprando gestores de ativos privados. Mais luz sobre esse crescimento vem da mais recente pesquisa global de fundos de pensão realizada pelo Amundi Investment Institute em parceria com a CREATE-Research do Reino Unido. Com base em questionários e entrevistas com gestores responsáveis por cerca de US$ 2 trilhões em ativos, o quadro que emerge é que os fundos de pensão sentem que não têm escolha.

Uma primeira constatação é que, embora cerca de dois terços das grandes instituições de fundos de pensão agora alocam parte de seu dinheiro em ativos privados, eles não estão muito empolgados com os resultados. Mas, quando perguntados se seus investimentos privados atenderam às expectativas até agora, 40% disseram que estavam "dentro do esperado", enquanto aqueles que ficaram desapontados superaram ligeiramente os que tiveram suas expectativas superadas.

Isso não é, portanto, uma repetição da corrida que muitas instituições fizeram aos fundos hedge nos anos imediatamente anteriores à Crise Financeira Global, quando sua capacidade de ganhar dinheiro durante a queda da bolha das pontocom de repente os fez parecer brilhantes. Isso não terminou bem, mas a migração para ativos privados foi diferente, nascida mais racionalmente da falta de alternativas.

Um executivo finlandês de fundos de pensão descreve brilhantemente o que aconteceu aos pesquisadores da Amundi, da seguinte forma:

"O universo de empresas nos mercados de ações listadas no Ocidente tem se contraído neste século devido a uma combinação de fatores. Eles incluem o crescente “curto-prazismo” dos investidores, requisitos burocráticos de listagem e escrutínio regulatório excessivo. Estes foram aumentados recentemente pelo boom de recompra de ações que melhora os ganhos por ação, o pipeline em contração de IPOs que significa menos empresas de crescimento buscando uma listagem, e a disponibilidade mais barata de capital em outros lugares, à medida que as taxas de juros despencaram na última década. Há menos empresas públicas agora do que há 40 anos, e elas são, em média, muito maiores e mais antigas."

Amin Rajan, da CREATE-Research, que elaborou o relatório, oferece números do serviço de dados PitchBook para dar uma ideia de como o universo de opções para os investidores dos EUA mudou desde 2000. Naquela época, as empresas públicas superavam em muito as privadas, e a ortodoxia era abrir o capital assim que fosse viável. Agora, é o contrário. Você tem muito mais opções fora dos mercados públicos:

 



Andrew Lapthorne, estrategista quantitativo-chefe do Societe Generale SA, ilustra isso de outra forma, mostrando como a relação entre o valor total de mercado dos mercados de ações e seu preço se moveu desde 1970. Nos EUA, um processo amplamente rotulado de "des-equitização" significou que o valor real do índice cresceu muito mais do que o valor total subjacente do mercado. Isso significa que as ações são mais difíceis de encontrar, e exacerba o problema ao forçar os preços ainda mais para cima. É um fator que contribui para as avaliações muito mais altas que devem ser pagas pelas ações dos EUA. Esse problema é muito menos avançado na Europa, em parte porque uma cultura de equidade nunca foi uma parte tão grande da economia em primeiro lugar.




Esse processo foi impulsionado em grande parte pelas taxas de juros artificialmente baixas que estiveram disponíveis nos últimos 25 anos, o que tornou muito atraente substituir o financiamento de capital próprio por dívida. O resultado de recompras de ações, alienações de ativos e assim por diante, tem sido forçar o preço do capital próprio público disponível para cima, deixando os investidores superexpostos a ações e enfrentando avaliações que tornam os pontos de entrada ruins. Isso também é verdade para as famílias. Nos anos 1980 e 1990, elas mantinham aproximadamente o mesmo valor em dinheiro que em ações. Agora, como este gráfico do Goldman Sachs, elas estão desconfortavelmente "all-in" em ações.

 



Isso leva a algo como uma crise de confiança na versão de livre mercado do capitalismo defendida por Milton Friedman que prevaleceu por muitos anos. Aqui está mais do nosso gestor de fundos finlandês:

"Desde 2010, esses mercados públicos não cresceram muito além de um nível que pode ser explicado por movimentos nos preços das ações que se beneficiaram das políticas de dinheiro barato dos bancos centrais. Ao emprestar contra retornos futuros, eles têm se desconectado cada vez mais da economia real. Eles são mais sobre a negociação de segunda ordem de ativos existentes que favorecem a distribuição de caixa e gestão de balanço patrimonial; e menos sobre criação de riqueza que promove empregos e prosperidade social.

Em contraste, o universo de empresas em private equity e dívida privada está se expandindo rapidamente. Suas estruturas de fundos de longo prazo impedem os investidores de vendas forçadas durante tempos de estresse, como tantas vezes acontece nos mercados públicos."

Em vez de deixar os mercados públicos como o motor de crescimento, com capital direcionado pela sabedoria das massas e eficiência de mercado, a noção predominante agora é que as melhores decisões empreendedoras são tomadas através de negociações privadas entre alguns indivíduos. Com empresas optando por se tornar unicórnios e esperar muitos anos antes de tentar abrir o capital (a OpenAI, cujo ChatGPT é, sem dúvida, a principal inovação de nosso tempo, ainda é privada, por exemplo), os gestores têm a sensação de que, se quiserem capturar o crescimento, não podem se dar ao luxo de esperar até o IPO. Investidores que compraram a Amazon.com no IPO foram bem recompensados; é difícil imaginar lucros semelhantes quando os unicórnios de hoje se tornam públicos.

Rajan descobriu que essas opiniões eram generalizadas. Os gestores de fundos pensão não gostam da exposição ao risco de taxa de juros envolvida na compra de ativos privados alavancados, especialmente agora que a era de taxas ultrabaixas parece definitivamente ter acabado. Eles também não gostam do apetite feio do setor por taxas. Investir em ativos privados não é nem de perto tão barato quanto comprar um fundo que acompanha o S&P 500. Mas eles gostam da liberdade que vem com o setor, que ainda é amplamente sobre gestão ativa e tentar buscar bons retornos idiossincráticos. Como um gestor disse a Rajan: "Ativos privados estão livres da tirania de benchmarks ponderados por capitalização."

Embora o artigo enfoque mais a visão dos fundos de pensão, é notável como o mercado acionário diminuiu, enquanto a participação dos americanos em ações aumentou. Esses dois fatores combinados podem justificar a elevação dos P/L, tão discutida ultimamente, por um problema simples de oferta e demanda, concentrando, de certa forma, as opções do público nas empresas maiores e no ramo de tecnologia.

Analisando cada componente, do lado da oferta, os empresários chegaram à mesma conclusão de que o meu amigo: o mercado de ações exige condições que nem sempre são factíveis — crescimento incessante —, o que pode levar companhias mais frágeis a um descarrilamento de sua trajetória. Do lado da demanda, os investidores, acostumados a elevados ganhos ano após ano, deslocaram mais recursos ao mercado acionário em detrimento da renda fixa. Mas, como as oportunidades ficaram mais escassas, esses recursos fluíram para ações de empresas gigantes, com elevado crescimento.

Se esses fluxos continuarem, os empresários serão seduzidos, como foi o meu amigo, a abrir o capital em função dos elevados P/L, podendo cair na mesma armadilha.



Análise Técnica

No post trabalhando-10-minutos-por-dia fiz os seguintes comentários sobre o IBOVESPA: “Notem como o canal traçado está sendo respeitado. O primeiro objetivo seria em 121,4 mil (-3,5%). Se não contido, poderia alcançar 118,6 mil (-6%)”.




A recuperação da bolsa que ocorreu nos últimos dias, de uma mínima de 123,9 mil até a máxima atingida hoje de 128,7 mil, posso classificar no hall de correção dentro do canal citado acima. Sendo assim, até um rompimento mais concreto, mantenho meu objetivo ao redor de 121 mil. Espero, em seguida, uma alta que levaria a bolsa a novas máximas.




Notem que grifei a palavra espero. Qual seria a razão? Meu amigo poderia perguntar por que não sugiro um trade de compra se o potencial de alta é significativo. O principal motivo é que não posso afirmar que a mínima se dará nos 121 mil, como comentei em posts anteriores. Não me sinto confortável, em situações semelhantes, tentando segurar uma "faca em queda", como se diz na linguagem de mercado. Posso usar o mesmo argumento do potencial de alta para aguardar a formação de 5 ondas. Porém, se algum leitor quiser se aventurar, o stop loss deveria se situar em 121 mil.

O S&P500 fechou a 6.084, com alta de 0,82%; o USDBRL a R$ 5,9650, com queda de 1,35%; o EURUSD a € 1,0494, com queda de 0,30%; e o ouro a U$ 2.716, com alta de 0,83%.

Fique ligado!

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