Mordendo a língua



O Mosca é um ferrenho incentivador de fundos passivos. Em diversos posts publicados, mostrei a evolução meteórica desse mercado e suas vantagens sobre os fundos tradicionais. Esse é um segmento que continua crescendo de forma constante pela sua facilidade de negociação, liquidez e baixo custo.

Esses argumentos continuam válidos, porém um artigo publicado pela Bloomberg, colocaram algumas dúvidas na minha convicção. O problema tem a ver com a liquidez dos ativos que compõem a carteira do fundo.

O segredo obscuro dos fundos de índice passivos - seja aberto, fechado ou ETF - é a distribuição do valor diário em dólar negociado, entre os títulos nos índices que eles imitam.

No índice Russell 2000 (índice compostos por empresa denominadas de small caps), por exemplo, a grande maioria das ações é de baixo volume negociado. Considerado um dia qualquer como amostra, 1.049 ações negociaram menos de US $ 5 milhões em valor durante o dia, isso representa mais da metade do total de ações. E quase a metade delas - 456 ações - negociou menos de US $ 1 milhão durante o dia. No entanto, por meio de indexação e investimento passivo, centenas de bilhões estão vinculados a ações como essa.

O SP 500 não é diferente - o índice contém as maiores ações do mundo, mas ainda 266 - mais da metade - negociadas com menos de US $ 150 milhões diários. Parece muito, mas trilhões de dólares em ativos globalmente são indexados a essas ações. “O teatro está ficando cada vez mais lotado, mas a porta de saída é a mesma de sempre”, segundo Michael Burry, o investidor que ganhou fortunas na crise de 2008. Tudo isso piora à medida que você entra em mercados ainda menos líquidos de ações e títulos em todo o mundo. ”

“Potencialmente, piorando a situação, será a impossibilidade de desenvolver os derivativos e as estratégias de compra / venda usadas para ajudar muitos desses fundos a combinar fluxos e preços todos os dias. Esse conceito fundamental é o mesmo que resultou no colapso do mercado em 2008. No entanto, não sei qual será o cronograma. Como a maioria das bolhas, quanto mais tempo, pior será o acidente. ”

“Ironicamente, o banco central japonês que possui muitos dos maiores ETFs do Japão significa que, durante um pânico global, as maiores ações desses índices podem ser relativamente protegidas em relação aos EUA, Europa e outras partes da Ásia, que não têm uma força estabilizadora semelhante dentro de seus ETFs e fundos gerenciados passivamente ".

Esse investidor tomou uma medida radicalmente diferente da tendência atual, pois vendeu suas posições em ETF, mesmo reconhecendo a elevada demanda atual e está 100% focado na seleção de ações.

Eu desconhecia essa discrepância na liquidez, relativo as ações com menor participação no índice, embora fosse lógico que assim fosse. Para que o leitor entenda essa situação vou esclarecer de forma simplificada como esses fundos de ETF são administrados.

Quando o mercado cresce de tamanho, essa evolução é feita de forma mais organizada, pois não surge uma demanda enorme do dia para noite. Sendo assim, os gestores precisam emitir mais ações originado a aquisição das ações que compõem a carteira. Por exemplo, se um ETF tem 10 ações com uma determinada proporção, a cada vez que um novo cliente resolve comprar um ETF desse índice, o gestor compra as 10 ações correspondente, e vice-versa quando um investidor resolve vender.

Na verdade, o que vale é o fluxo de aumento ou diminuição de ações do ETF, pois parte é feita dentro do próprio mercado com a troca de mãos das pessoas comprando e vendendo. O gestor também carrega um estoque de ETF em sua carteira proprietária para facilitar esse fluxo, usando outros mecanismos para não ficar exposto ao mercado.

O riso que Michael Burry alerta seria uma eventual corrida de venda por parte dos investidores. Nesse caso, teria que recomprar (ou cancelar) os ETF e para gerar a liquidez, vender as ações que compõem o índice, e pode não haver liquidez nas ações de baixa negociação, criando um pânico temporário. Seguramente essas ações seriam mais impactadas.

Os leitores podem estar se perguntando qual é a diferença de um fundo de ações tradicional e os ETFs num momento como esses. Primeiro que o fundo tradicional tem um prazo para executar suas ordens, mas se mesmo assim, tiver problemas de liquidez pode fechar o resgate por um tempo. No ETF é instantâneo e muito mais simples, basta o investidor do ETF dar a ordem de venda, atualmente pelo smartphone.


Coincidentemente, o Wall Street Journal publicou uma matéria alertando pela queda de liquidez em alguns derivativos de bolsa. Embora o artigo enfatize a baixa volatilidade observada no período de férias do Hemisfério Norte, o que chamou a minha atenção é a queda vertiginosa no contrato mais comum negociado na bolsa americana, o SP500.

Alguma razão deve existir para uma redução de 75% no volume negociado desse derivativo nos últimos 3 anos. Independente de qual seja, num movimento de venda maciça de ETFs, é exatamente esse o contrato que os gestores precisam para desfazer suas posições de forma mais rápida.

A baixa liquidez pode significar que é mais difícil comprar ou vender ativos quando você deseja. Por exemplo, a diferença entre os preços de compra e venda no mercado aberto pode ser tão distante que não está claro qual é o nível justo, ou pode haver muito poucos contratos de ações ou derivativos disponíveis para compra ou venda no preço desejado.

Tony Scherrer, diretor de pesquisa da Smead Capital Management, disse que geralmente não tem dificuldade em negociar ações de empresas maiores, mas pode ser mais desafiador quando ele deseja comprar ou vender ações de empresas menores. Para resolver esse problema, esse gestor divide a ordem em pedaços pequenos para evitar grandes movimentos nos preços.

Aqui surge outra situação nos ETFs que pode não ocorrer nos fundos tradicionais. As ações com baixa liquidez que compõem os ETFs permanecem estáticas, tudo se negocia em bloco. Sendo assim, se alguém quer comprar uma ação de baixa liquidez, essa oferta não virá do estoque existente de ETF, pois o administrador não faz uma gestão ativa, mesmo que o preço seja absurdamente alto. O mesmo não acontece no fundo ativo, pois nesse caso, o gestor poderá vender caso considere um bom preço.

Num cenário de stress nada vai ser bom, todas as ações deveriam cair forte. Mas a existência dos ETF poderá amplificar a queda de forma muito mais profunda que a estabilidade atual sugere. É importante ter isso em mente, não implicando uma mudança atual de estratégia por conta disso. Mas caso aconteça esse stress, e para os investidores agressivos, ficar vendido nessas ações menores pode ser muito atrativo. Por tudo isso, tive que morder minha língua, os fundos passivos não são a maior maravilha do universo!

No post por-trás-da-fumaça, fiz os seguintes comentários sobre oi Ibovespa: ... “o shape dos últimos 30 dias é típico de uma correção de queda, isso daria um certo alento a nossa posição, mas não é suficiente para ficarmos tranquilo, pois a mesma pode se estender” ... ...” Ao refletir sobre esse trade fiquei propenso a liquidar muito próximo ao preço de entrada” ... ...” O que me deixa mais temeroso é uma possibilidade de queda de 6% para o SP500” ...

Essa liquidação de posição foi um posicionamento defensivo. Em momentos de indecisão é melhor ficar zerado. Porém, se vocês notarem, do ponto de vista técnico não tinha nenhum motivo para tanto. Na última semana a bolsa caminhou mais pontos e se aproxima de um momento de definição. Para tanto, vou me apoiar num gráfico de 1 hora de curtíssimo prazo.

Para explicar os movimentos que antevejo no curto prazo separei em 2 gráficos: a primeira “opção altista” e o segundo “opção baixista”.

No primeiro caso, o rompimento do nível de 101.500 completaria as 5 ondas anotadas no gráfico, em seguida, se espera um movimento de correção que levaria o índice novamente abaixo dos 100.000. Seria nesse movimento que vou sugerir um trade de compra, cujo nível terá que ser melhor definido, claro, se acontecer.

Se por outro lado, o nível de 101.500 não for rompido e o Ibovespa iniciar um movimento de queda, e principalmente abaixo de 97.500, essa correção deverá se prolongar mais, ou algo mais profundo poderá ocorrer.

Minha expectativa é para que o primeiro cenário ocorra, do ponto de vista técnico, os movimentos levam a considerar essa opção mais provável.

- David, então porque você não compra de uma vez e assume que se precipitou?
Posso concordar com sua segunda colocação que agora parece evidente, mas naquele momento existia a dúvida. Se eu soubesse que seria como foi não teria zerado, e se você quisesse ser justo deveria ter feito essa observação naquele momento!

Quanto a comprar agora, acabei de mostrar que existem 2 possibilidades, e que a dúvida será esclarecida se o índice ultrapassar 101.500, menos de 1% do nível atual. Por que não deveria esperar a confirmação? Se minha interpretação estiver correta, poderemos comprar num nível inferior ao atual, basta ser disciplinado.

O SP500 fechou a 2.937, com alta de 1,08%; o USDBRL a R$ 4,0946, com queda de 1,94%; o EURUSD a 1,1034, com alta de 0,68%; e om ouro a U$ 1.551, com alta de 0,32%.

Fique ligado!

Comentários

  1. Hey, nunca escrevi aqui, mas parabéns pelo material!
    Eu leio todas as manhã...
    Só complementando o teu post, semana passada eu fiz exatamente um texto falando a mesma coisa, segue:
    https://www.linkedin.com/pulse/o-risco-da-bolha-dos-etfs-guilherme-renato-rossler-zanin/
    Eu só nao concordo com a sua ideia de vender ações iliquidas e sim comprar. Concordo que tem uma pressao maior nelas no d+0, e realmente as pequenas sofram mais que as grandes, mas eu acho que as empresas pequenas e fora do indice (liquidez menor ainda), vão sofrer menos o risco sistêmico da próxima crise.
    Abs

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  2. Guilherme obrigado pela confiança.
    Acessei seu artigo sobre o assunto e está bem completo. Muito bom!
    Como você é do "ramo" fica mais direto o dialogo.
    Não entendi a sua observação de que eu havia sugerido vender as ilíquidas. Eu comentei que num movimento de venda mais amplo, essas seriam as mais prejudicadas pela falta de liquidez, sem alusão se era melhor ou pior comprar essas ações. Na verdade, poderá gerar uma oportunidade de compra nesses momentos.

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    Respostas
    1. Ah entendi. Desculpa, talvez tenha passado muito rápido, mas então concordamos tanto na queda como oportunidade.
      Novamente parabéns pelo trabalho e sou fã do seu trabalho!
      Abs

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