Extrapolação temerosa



Passei o dia de ontem com uma sensação estranha, para dizer a verdade desconfortável. O responsável foi o impacto do óleo ao atingir preços inimagináveis. Essa é a segunda vez que algo impensável no mundo das finanças ocorreu durante minha longa vida profissional: primeiro os juros negativos, agora o preço negativo do petróleo. Será que existirão outras?

Antes de entrar no ponto principal do meu temor, vamos detalhar os subprodutos dessa ocorrência – preço do petróleo.

Um artigo publicado pela Bloomberg aponta a projeção de um especialista. O mesmo acredita que o petróleo poderá atingir até - U$ 100.

 Orbitando centenas de quilômetros acima da Terra, os satélites Sentinel-1 são os olhos no céu que mostram por que os preços do petróleo nos EUA caíram abaixo de zero e por que grande parte do mundo provavelmente seguirá.

O satélite emite sinais de radar dos enormes tanques de metal que armazenam petróleo e esses dados são usados para calcular a quantidade de petróleo bruto que está ali dentro. Está voltando com uma mensagem alarmante: o armazenamento de óleo está acabando.

É algo que nunca aconteceu antes, e o mercado está apenas começando a adivinhar o que isso significa. Especialistas dizem que pode demorar algumas semanas até que não haja mais espaço para armazenar. O resultado seria o preço do petróleo próximo de zero em muitas partes do mundo e, em alguns casos, eles poderiam ser negativos.


O mundo dos preços negativos não tem piso e, depois desta semana, tudo é possível. Uma certeza é que os dados de satélite mais recentes mostram um excesso enorme. Há 50 milhões de barris de petróleo entrando em armazenamento todas as semanas, o suficiente para alimentar a Alemanha, França, Itália, Espanha e o Reino Unido juntos.

Os dados do satélite podem até estar subestimando a quantidade de espaço realmente disponível. Muito espaço vazio já foi alugado pelos traders.

"Podemos ter preços negativos e preços muito negativos", disse Pierre Andurand, fundador do fundo de hedge, acrescentando que o petróleo é um "mercado perigoso para operar no momento".

No mercado de petróleo físico, os traders oferecem barris a preços negativos ainda maiores. A Plains All American Pipelines LP, uma das principais transportadoras de petróleo dos EUA, pediu aos produtores de um fluxo de petróleo, chamado Eastern Kansas Common, que pagassem US $ 55,05 por barril, se quisessem vender.

Além disso, os modelos matemáticos foram para o espaço. O índice de volatilidade do petróleo bruto CBOE ficou sem sentido. Os modelos de volatilidade normalmente assumem uma distribuição log normal, com os preços nunca chegando a zero ou abaixo. Essa suposição não se aplica mais. Veja o gráfico desse indicador.


E por último, como calcular a queda do preço do óleo? Sendo essa uma commoditie de muita importância, faz parte dos índices de inflação dos produtores. Como entrará no cálculo do índice esse mês? Numa situação normal a queda de um produto é calculada como a proporção entre o preço atual em relação ao preço anterior. Sendo assim, se um produto valia $ 100 e caiu para $95, a queda é de 5% (95/100-1). E se o preço caiu para -$ 40? Utilizando-se essa formula o resultado seria de -140%! O que isso significa?

Num primeiro instante entendo que essa seja uma transferência enorme de renda dos produtores para os consumidores, a ponto de ter que pagar para você encher o tanque, assim pode pegar esse dinheiro e comprar outras coisas. Aí pensei, no limite, se tudo que se consome você receber, de que serve o dinheiro? Uma elaboração mais detalhada remove essa hipótese, pois ninguém vai me entregar uma Ferrari junto com um cheque de 100.000 porque não tem espaço para estacionar. Mas com um desconto importante sobre o preço original pode acontecer.

O que adveio no mercado de petróleo é possível de projetar em outros mercados? Do ponto de vista econômico, o que ocorreu é que a demanda colapsou instantaneamente e nenhum modelo de previsão levaria em consideração esse cenário. Provavelmente, o mais negativo stress test deve considerar uma queda de 20%, 30%, mas não quase 100%. No caso desse produto, como é necessário estocar em lugares específicos, a queda de preço pode ir até sei lá quanto. E pior, se tornou mais inelástico a demanda pelo block down. Você não vai sair de casa para encher o tanque, assim, ninguém compra a preço nenhum.

Naturalmente, isso não vai acontecer no futuro, pois, um monte de produtores quebrará e a oferta vai se equilibrar num novo patamar. Mas, a Venezuela, Arábia Saudita, Irã para citar alguns países, podem se dar ao luxo de diminuir sua produção, mesmo com preços mais baixos, quando tem déficits em conta corrente para serem cobertos, calculados com preços e volumes antigos?

Primeira grande lição que se pode tirar: Se um produto é perecível, no sentido mais amplo da palavra, é necessário cuidado com suas premissas de preço, é possível que atinjam níveis impensáveis. Um exemplo dos desarranjos provocados pelo Covid-19 está ocorrendo no mercado de leite na Europa, onde os produtores que vendem esse produto aos fabricantes de queijos, entre 250 a 350 por 1.000 litros, atualmente é oferecido a € 1,00, pois os produtores estão fechados.

Muito se tem especulado de como será o mundo depois que a vida voltar ao normal, setores que serão mais afetados como a indústria do lazer - veja abaixo a previsão de queda do faturamento desse setor, outros que se beneficiaram, como aqueles que usam a internet, outros neutros como alimentos e a grande maioria uma incógnita.


O PIB global não será igual ao de fevereiro de 2020, certamente menor. Mesmo que os governos estejam “pagando” para empregados ficarem em casa a espera da normalidade, essa normalidade poderá ser bem diferente daqui a 6 meses, tanto porque os preços dos produtos estarão mais baixos, bem como a demanda será menor. E um setor estará tão mais comprometido quanto esse novo faturamento for menor.  

Tudo indica que nessa primeira fase haverá deflação nas economias (comentário a seguir sobre o ouro), não consigo ver uma pressão de preços suficiente para compensar a queda que deve ocorrer. A chance de níveis de desempregos ainda elevados parece razoável supor. Mas os governos no mundo não irão sossegar, irá valer novos repiques “seus 10% de PIB mais 10%”. É aí que todo cuidado é pouco, pois se a percepção que o dinheiro está “fácil”, existe uma grande chance de alta na inflação.

No post fed-compra-coca-cola-e-grapete, fiz os seguintes comentários sobre o ouro: ... “ Por um lado, a injeção de recursos pelos bancos centrais como se fosse capim, desafinado o lema do Mosca – dinheiro não é capim, o coloca como atrativo; por outro lado, se a crença é que estaríamos entrando num ambiente deflacionário, nenhum ativo performa melhor que o caixa” ... ... “Os leitores do Mosca sabem a importância que dou para o intervalo anotado acima como Pivô” ...

Na última semana o ouro rompeu esse nível máximo chegando a negociar a U$ 1.746, tudo indicando que estaria no caminho de subir. Porém, terminou a semana abaixo de U$ 1.700, configurando-se como um false break. No curto prazo, o metal está buscando recuperar parte dessa queda com as cotações a U$ 1.713.

No curto prazo os delimitadores se encontram anotados acima: para cima, é provável que superando U$ 1.746, novas altas serão obtidas; em contra partida no sentido inverso, o intervalo entre U$ 1.630 e U$ 1.600 deve conter o ouro, caso o cenário seja de alta.

Fique pensando qual a razão da minha aparente “teimosia” em não assumir um cenário mais altista para o metal, afinal todos os analistas estão sugerindo isso. Acredito que sejam dois: primeiro que os gráficos não são conclusivos nesse sentido, o movimento das últimas semanas não parece indicar com clareza nessa direção, segundo pelo fato que citei acima sobre a tendência de preços nas economias. Num cenário deflacionário, o único ativo que performa é o caixa. Let the market speak!

 O trade sugerido do dólar contra o real no rompimento a R$ 5,35, vamos adotar um stoploss de R$ 5,25, e o tamanho da posição em ¼, atitude assumida recentemente.

O SP500 fechou a 2.799, com alta de 2,29%; o USDBRL a R$ 5,4492, com alta de 2,49%; o EURUSD a 1,0819, com queda de 0,34%; e o ouro a U$ 1.712, com alta de 1,63%.

Fique ligado!

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