Pesadelos do passado



Para quem viveu no Brasil nos anos 80, é praticamente impossível esquecer o que significa viver com inflação alta. Naquela época, ninguém tinha a menor ideia dos preços dos produtos. Os supermercados remarcavam quase que diariamente. No mercado financeiro existia um título denominado de ORTN que pagava juros mais correção monetária, o avô do atual IPCA. A diferença é que, a correção era muito maior que os juros, em termo de rendimento total.

Eu não sou economista, mas aprendi que quando um governo emiti muita moeda a inflação tende a subir depois de um tempo. Mas, os bancos centrais dos países desenvolvidos estão desafiando essa teoria.

Outro dia participei de uma conferência pelo Zoom, por sinal, o que mais tenho feito atualmente, cujo apresentador era o Professor Eduardo Zilberman. Nessa apresentação de padrão acadêmico, reafirmou que, segundo modelos econométricos aplicados a situações passadas, onde ocorreram severas quedas do PIB, acabou ocorrendo deflação. Eduardo Zilberman, frisou a diferença da situação atual com as anteriores em função da maciça atuação dos bancos centrais, porém, os modelos apontam nessa direção. Respeito, mas tenho minhas dúvidas.

O gráfico a seguir mostra que, a queda do PIB prevista pelos economistas nos EUA, deveria fazer a inflação medida pelo CPI despencar para 0%, ou até então, ficar negativa.


Um artigo publicado pela Bloomberg enfatiza que quase ninguém está preocupado com aumentos na inflação, e que por isso, pode ser uma surpresa desagradável caso aconteça.

Por uma geração, o aumento dos níveis de preços não tem sido um problema significativo no mundo desenvolvido (sim, preços e serviços de ativos, como educação e saúde, são exceções). Pela medida PCE de inflação preferida do Federal Reserve, excluindo combustíveis e alimentos, os níveis de preços têm sido notavelmente estáveis dentro da atual meta de 1% a 3%. A inflação caiu abaixo de 3% em 1992 e nunca a excedeu desde então; caiu abaixo de 1% apenas um pouco e brevemente durante a Grande Recessão:


Isso leva a um problema de imaginação. Ninguém com menos de 50 anos tem uma memória clara de como é lidar com a inflação como um problema sério. Mas como Dario Perkins, da TS Lombard, salienta, os governos adotaram uma resposta em tempo de guerra de enormes gastos fiscais e, no processo, estão "diluindo o viés anti-inflacionário que criaram nas instituições de macro política, após a década de 1970". Isso pode não levar imediatamente a uma espiral de preços, mas sugere um possível "regime de fogo" para substituir a era do crescimento, inflação e estilo japoneses cada vez mais baixos, e rende a Albert Edwards, o estrategista de investimentos da Societe Generale SA, famoso por sua baixa tendência. chamou a "era do gelo".

Também temos a experiência da última década, quando as compras extraordinárias de ativos pelos bancos centrais foram denunciadas como inflacionárias, e o preço do ouro disparou nos anos imediatamente após a crise - apenas para diminuir, pois a deflação permanecia mais provável do que a inflação. E, de fato, o mercado de títulos não apresenta riscos, seja qual for o retorno à inflação. Este gráfico mostra o ponto de equilíbrio de 20 anos (a taxa de inflação média implícita nos próximos 20 anos) e o ponto de equilíbrio de cinco anos / cinco anos para frente (que evita qualquer distorção do futuro próximo, observando a previsão implícita de cinco anos para inflação, a partir daqui a cinco anos).


Parte disso pode ser explicada pela resposta do mercado ao colapso do petróleo. No curto prazo, o petróleo tem um enorme impacto sobre os pontos de equilíbrio, pois é uma grande parte das cestas de inflação.

Os preços do petróleo refletem pressões sobre a demanda - que podem ter consequências mais amplas -, mas também efeitos sobre a oferta, que devem ser mais específicos para a indústria do petróleo. Essa queda mais recente foi em grande parte liderada por um choque de oferta quando a disciplina da OPEP + quebrou em março, então não está claro que isso nos conte muito sobre a inflação futura. Isso leva à possibilidade de uma falha de imaginação. Na última década, as expectativas de inflação se correlacionaram quase perfeitamente com os principais indicadores de crescimento econômico, como mostra outro gráfico do BofA:


Parece uma correlação natural hoje em dia, mas nunca foi assim. Na década de 1970 (antes da grande maioria das pessoas atualmente responsáveis ​​pela alocação de capital ter terminado a educação formal), as perspectivas econômicas fracas costumavam coexistir com a inflação mais alta. O mundo desenvolvido está curado da estagflação há quase quatro décadas e o mercado coletivamente parece totalmente confiante de que isso continuará. A experiência de 2008, quando um grande sucesso nos mercados e depois na economia se mostrou deflacionário, reforçou essa crença.

A estagflação poderia retornar? E por que a inflação reapareceria desta vez quando não ocorreu após as táticas de desespero semelhantes de 2008?

Existem amplamente quatro respostas (resumidas lindamente por Chris Watling, fundador da Longview Economics em Londres).

Após o GFC, os governos responderam com austeridade. Isso não vai acontecer desta vez. Os políticos entenderam que precisarão tentar reviver a economia, mesmo correndo o risco de um déficit crescente. Há uma década, o movimento Tea Party foi provavelmente motivado a princípio, pela oposição à irresponsabilidade fiscal. Qualquer pressão populista desta vez estará em uma direção completamente diferente. Se os governos vão realmente gastar dinheiro, a inflação se torna muito mais plausível.

Desta vez, o estímulo fiscal está sendo direcionado diretamente para as carteiras das pessoas, pelo menos nos EUA. Enquanto isso, as medidas dos governos de todo o mundo ocidental para continuar pagando uma proporção decente do salário das pessoas, enquanto a quarentena restringe seus gastos, significam muitas pessoas com pilhas significativas de dinheiro e um grande incentivo para gastá-los.

Como ensina o livro texto de economia, existe inflação por “aumento de custo” e/ou “elevação de demanda”. Com muitos sofrendo um grande choque econômico, atualmente não há uma demanda aumentada - embora continue sendo uma possibilidade pós-quarentena ou pós-vacina. Mas o aumento de custos já parece estar conosco. As cadeias de suprimentos interrompidas tornam mais caro levar mercadorias aos consumidores, o que significa que os custos devem ser repassados ​​com preços mais altos. A oferta reduzida também leva a preços mais altos. As preocupações com a escassez de carne devem ser uma amostra de problemas mais amplos.

Finalmente, existe desglobalização. Vimos isso uma década atrás, mas não tanto quanto muitos temiam. Poucos países tentaram levantar barreiras tarifárias e o crescimento da China ajudou o mundo a superar. Nada disso vai acontecer desta vez. A simples decisão de muitos governos de que dependem demais de países muito distantes para suprimentos vitais os levará a encontrar alternativas locais. Estes serão mais caros, alimentando a inflação.

Acrescente os riscos de que o dinheiro do helicóptero, uma vez iniciado, possa ser politicamente impossível de parar, e você tem um argumento muito sólido para a inflação futura muito além do que o mercado está prevendo atualmente. É prudente apostar contra o mercado de títulos? Não, nem sempre, mas é difícil encontrar muita relação entre o rendimento dos títulos e a inflação subsequente ao longo da história, como mostra este gráfico de Vincent Deluard, macro estrategista global da INTL FCStone Financial:


Como podemos lidar com isso? A inflação atua efetivamente como um freio aos empréstimos do governo. Quanto maior a taxa esperada, mais investidores exigirão, quando os governos emitirem um título. Se a austeridade não acontecer, isso implica em repressão financeira - manter à força baixos os rendimentos dos títulos ou forçar efetivamente as pessoas a emprestar ao governo a taxas não atrativas. Os bancos centrais já estão se preparando para o verdadeiro "controle da curva de juros" e existem precedentes.

Existe um precedente na história moderna de como isso pode ser feito: após a Segunda Guerra Mundial, o Fed manteve uma barreira aos rendimentos de longo prazo do Tesouro (em 2,5%) que foram originalmente implementados quando os EUA entraram na guerra. Assim, o Fed ajudou a manter baixos os custos de empréstimos do governo durante o boom econômico do pós-guerra e a alta inflação. Com o PIB nominal excedendo significativamente a taxa de juros nominal da dívida pública, a relação dívida / PIB diminuiu sem consequências prejudiciais para a economia real.

Sob estagflação, nem ações nem títulos se dão muito bem, por razões óbvias. A julgar pela década de 1970, quando os preços do petróleo e do ouro ficaram balísticos, poderia ser o momento certo para outra onda de preços mais altos das commodities.

Quanto à repressão financeira, a inflação pode ser interrompida de alguma forma, mas os efeitos na economia e no investimento ainda seriam significativos. Uma economia reprimida em que o governo é mais ativo tende a ser menos dinâmica. Os setores particularmente propensos a interferências governamentais podem valer a pena ser evitados.

Certamente, é possível que a recessão cause um choque tão duradouro ao exigir que as forças inflacionárias ainda possam ser contidas. Mas essa não é uma perspectiva positiva. É possível que os governos tenham dinheiro suficiente para lidar com a deflação - nesse caso, a inflação continua sendo o grande risco para o qual os investidores ainda não estão posicionados.

O texto da Bloomberg pode parecer um pouco complicado por usar conceitos econômicos na sua narrativa. De forma simples, imaginem o que deve acontecer com as empresas de aviação. Parece certo que a demanda será menor daqui em diante em função de 2 fatores principais: menores viagens de negócios – reuniões com o Zoom são mais eficientes; menos viagens de turismo – pelo menos até que uma vacina seja aprovada. Desta forma, os aviões atuais não estão mais adequados a essa nova realidade. A higienização bem como a diminuição do número de assentos é certa que ocorrera. Nesse negócio, o custo fixo tem elevado peso, e se menos pessoas viajarão por aeronave, não é razoável supor que o custo vai subir?

Assim como esse exemplo vários outros terão a mesma consequência – restaurantes, transporte urbano etc. Será que termos deflação por muito tempo, se é que teremos?
No post a-meia-volta-do-ibovespa, fiz os seguintes comentários sobre o SP500: ... “ Vou definir um divisor de águas: 2.950

1.Superior a 2.950 (1) – Esse cenário contempla um alta praticamente dos níveis atuais, e quanto mais se afastar, maior a chance de o mercado ultrapassar a máxima histórica de 3.385.

 2. Inferior a 2.950 (ALTA) – Nesse caso, será muito importante o shape dessa retração. Quanto ao nível o mais provável seria entre 2.730 – 2.680. No máximo é aceitável até 2.550.

 3. Inferior a 2.950 (BAIXA) – Se a correção atingir 2.540, a alta imediata fica inviabilizada, sendo possível outras opções a ser mais bem definida a frente” ...

De uma forma milimétrica, o índice da bolsa atingiu a máxima de 2.954, recuando depois disso (cada vez me convenço mais que o mercado segue o Mosca! Hahaha ....). Daqui em diante, tudo começa a ficar interessante.

Se a bolsa continuar nesse sentido (de alta), sem que ocorra uma queda abaixo de 2.800, equivale a opção (1) acima. Mas o mais provável é que ocorra uma pequena queda até o nível ~ 2.730, ou mesmo chegando até 2.690 – opção (2). Agora se a bolsa continuar caindo, e principalmente abaixo de 2.630 (3), vou ter que reestudar o cenário.

Notem que, os níveis apontados no post acima, e os agora mencionados, não são iguais, uma vez que, foram atualizados pelos últimos movimentos.

Nesta semana tive algumas discussões com a equipe da Rosenberg sobre análise gráfica em tempos de pandemia, ou melhor, de distribuição de dinheiro a rodo. A questão é se não deveria deixar de lado essa ferramenta, pois se tornaria inadequada nesse novo normal. Eu argumentei que não, pois nada do que aconteceu me levaria a tal questionamento. Talvez a exceção tenha sido o mercado de petróleo.

Eu sempre acompanho preferencialmente os mercados à vista em todos os ativos, só uso os futuros quando o mercado à vista não é líquido o suficiente. Já tive experiencias através dos mercados futuros que geraram distorções temporárias. O caso do óleo se encaixa, pois o fato de não poder ser liquidado sem a entrega física, fez com que temporariamente seu valor ficasse negativo. É como se incluísse no preço o custo de armazenagem que se encontra escasso no momento.

Além do mais, o princípio básico da análise gráfica leva em conta o comportamento humano, sendo assim, o preço reflete a somatória dos impulsos dos participantes de um mercado específico.

Ainda agora, minha leitura atual contempla possibilidades antagônicas em alguns mercados: SP500, Ibovespa, Ouro, euro. É parece ser esse a percepção dos investidores com visões muito distintas, mas com convicções pequenas.

O SP500 fechou a 2.868, com alta de 0,90%; o USDBRL a R$ 5,5830, com alta de 0,70%; o EURUSD a 1,0840, com queda de 0,61%; e o ouro a U$ 1.707, com alta de 0,33%.

Fique ligado!

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