Ficando com as sobras
Os bancos centrais em mercados emergentes, passou por uma revolução silenciosa durante a pandemia COVID-19. Ao contrário de crises anteriores, eles conseguiram imitar o que os bancos centrais das economias avançadas vêm implementando: políticas anticíclicas com flexibilização quantitativa (QE), compras de ativos em moeda local, cortes nas taxas de juros e monetização dos déficits governamentais.
No passado, essas políticas teriam alimentado a inflação e
pressionado a taxa de câmbio para baixo. Não desta vez. Com a exceção de alguns
bancos centrais que já estavam em apuros antes da pandemia, os bancos centrais
de mercados emergentes puderam usar o QE para criar mais espaço de manobra na
resposta à crise.
As políticas monetárias nas economias avançadas
possibilitaram essa mudança. Seus próprios programas de QE tiveram efeitos
colaterais positivos, e eles expandiram suas operações de swaps de moeda e
recompra (repo) de câmbio em resposta à crise. Entre as medidas tomadas pelos
bancos centrais globalmente sistêmicos (GSCBs), a resposta do Federal Reserve
dos EUA foi a mais importante, mas as trocas e repos do Banco Central Europeu
(BCE) e do Banco Popular da China (PBOC) também tiveram um impacto
significativo a nível regional.
Os efeitos dos cortes nas taxas de juros e das enormes
injeções de liquidez nas economias avançadas atingiram os mercados emergentes
como resultado da busca global por rendimentos. Depois de uma queda inicial do
mercado em março, os fluxos de capital voltaram aos mercados emergentes, que
viram alta emissão de dívida nos meses subsequentes. Os mercados emergentes
também conseguiram reduzir suas taxas de juros e seus bancos centrais começaram
a emitir ativos denominados em moeda nacional nos casos em que o mercado é
suficientemente grande.
Enquanto isso, a expansão maciça dos swaps de moeda pelas
GSCBs aliviou as pressões sobre as taxas de câmbio. Essas linhas de swap atuam
como redes de segurança para evitar a escassez de moeda estrangeira nos
mercados domésticos. No início da pandemia, o Fed reativou seus acordos de swap
permanentes com o BCE, o Banco do Canadá, o Banco da Inglaterra, o Banco do
Japão e o Banco Nacional da Suíça, ao mesmo tempo em que estendia seus
vencimentos. Em seguida, forneceu linhas de swap para os bancos centrais da
Austrália, Brasil, Dinamarca, Coréia do Sul, México, Nova Zelândia, Noruega,
Cingapura e Suécia.
Embora o Fed tenha implementado medidas semelhantes durante
a crise financeira global há uma década, agora ele foi muito mais longe. No
final de março, passou a oferecer uma nova linha de recompra temporária
adicional para autoridades monetárias estrangeiras e internacionais (FIMAs).
Esse arranjo permite que bancos centrais e instituições monetárias públicas em
todo o mundo usem seu estoque existente de títulos do Tesouro dos Estados
Unidos como um canal para acessar a liquidez em dólares dos Estados Unidos.
Embora os repos não sejam swaps cambiais genuínos (porque os
FIMAs já devem ter ativos denominados em dólares como garantia), eles provaram
ser uma fonte poderosa de confiança do mercado. E como a mera disponibilidade
de repos pode ser suficiente para tranquilizar os mercados, eles não precisam
ser usados em muitos casos.
Mesmo assim, a situação dos mercados emergentes, não se aproveita da mesma maneira que o passado, ou que se poderia esperar, ocasionado pela desvalorização do dólar frente as moedas do G-10. Se essa divergência vai continuar ou reverter no futuro é uma dúvida que vale alguns bilhões de dólares!
Agora, dada a pandemia e a profunda recessão econômica que
ela causou, efetivamente não há fim à vista para o QE. Além disso, vários
bancos centrais estão formalmente comprometidos em manter as taxas de juros
baixas ou mesmo negativas, e as novas moedas digitais dos bancos centrais podem
tornar essas políticas relativamente fáceis de implementar.
O resultado para os bancos centrais de mercados emergentes,
então, é que eles provavelmente continuarão a desfrutar dos efeitos colaterais
da política monetária dos GSBCs no futuro previsível. Mas há limites para os
benefícios dessa liberdade política. Muitos bancos centrais de mercados
emergentes podem em breve sofrer consequências indesejadas em termos de
estabilidade financeira e governança.
Afinal, o QE e uma recessão prolongada atingirão
inevitavelmente os balanços patrimoniais de empresas, famílias e,
eventualmente, bancos. Quando isso acontecer, as falências e os empréstimos
inadimplentes aumentarão, e os governos dos mercados emergentes descobrirão que
ainda têm muito menos espaço fiscal do que seus colegas da economia avançada
para lidar com esses problemas.
Problemas de governança também devem vir à tona. As compras
de ativos do banco central que vão além dos títulos do governo levantarão
preocupações sobre transparência e responsabilidade. Na verdade, isso pode se
tornar um problema também nas economias avançadas (embora elas ainda tenham a
vantagem de mais espaço fiscal e arranjos institucionais robustos).
De uma forma ou de outra, as vulnerabilidades dos mercados
emergentes provavelmente se tornarão aparentes em vários domínios da
estabilidade e governança financeira doméstica. Os formuladores de políticas
nesses países fariam bem em manter a guarda alta.
No caso brasileiro, mesmo com um nível elevado de reservas, a percepção do mercado não foi tão positiva. Sendo um dos países emergentes que implementou um aumento de gasto publico muito maior que seus pares, e levando em conta um legislativo mais propenso a gastanças que a economias, a desvalorização do real ficou entre as piores conforme se nota a seguir.
Fique ligado!
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