Elementar meu caro Watson! #nasdaq100

 


Eu já mencionei antes — mas vale relembrar — que aprendi, logo que comecei minha carreira na área financeira, uma das situações que quebra um banco e que se chama mismatch [descasamento]. Seu conceito é muito simples: se um banco empresta por um período mais longo do que capta seus recursos, ambos a uma taxa fixa, vai ter prejuízo se o juro subir. Numa empresa não é tão grave, mas no setor financeiro pode ser mortal, pois o setor bancário é alavancado, algo entre 8 a 10 vezes seu patrimônio.

Por esses motivos, e por se tratar de uma caixa preta para quem está de fora, não basta ser solvente — precisa parecer solvente, para que não ocorra uma corrida bancária.

Tudo isso que comentei acima ocorreu com um banco de médio porte nos EUA, o Silicon Valley Bank, cuja ações caíram 60% somente ontem, como relata Robert Armstrong no Financial Times.

As ações do Silicon Valley Bank caíram 60 por cento ontem, depois que a empresa disse que fez grandes mudanças em seu balanço e emitiria novas ações. Essa é uma grande jogada, mas não - no contexto dos mercados em geral - uma história particularmente grande. Após a surra de quinta-feira, o valor de mercado do SVB é de apenas US$ 6 bilhões.

O que é uma grande história é que as ações dos bancos em geral caíram drasticamente com as notícias. O índice bancário KBW caiu 8%. Veja desta forma: o declínio solidário de 5,4% de ontem no JPMorgan Chase representa um declínio muito maior em valor (US$ 22 bilhões) do que o declínio nas próprias ações do SVB (US$ 9,5 bilhões). O estremecimento no setor bancário sugere que o que deu errado no SVB é emblemático de um problema maior. É isso?

A resposta curta é não. Dizer isso me deixa extremamente tenso; é muito mais seguro para um jornalista financeiro prever um desastre que não se materialize do que descartar a possibilidade de que aconteça. Mas os problemas do SVB surgem de peculiaridades do balanço que a maioria dos outros bancos não compartilha. Na medida em que outros bancos têm problemas semelhantes, eles devem ser muito mais brandos. Porém, há um adendo importante: no setor bancário, as quebras de confiança podem assumir vida própria. Se um número suficiente de pessoas pensar que os problemas do estilo SVB são generalizados, coisas ruins podem acontecer. Os bancos passarão os próximos dias dizendo “não precisaremos fazer baixas contábeis ou aumentar o patrimônio”. Isso não acalmará os nervos de ninguém; pelo contrário, soará como um eco de 2007-8.

Então vamos começar com os fatos. Os problemas do SVB podem ser resumidos com um gráfico:




O SVB atende às indústrias de tecnologia da Califórnia e tem crescido rapidamente junto com essas indústrias há anos. Mas então, com a explosão do financiamento especulativo no boom da pandemia de coronavírus, os depósitos (linha azul escura) subiram super-rápido. Os principais clientes do SVB, startups de tecnologia, precisavam de um lugar para colocar o dinheiro que os capitalistas de risco estavam investindo neles. Mas o SVB não tinha capacidade, ou possivelmente inclinação, para fazer empréstimos (linha azul claro) na taxa que os depósitos estavam ganhando. Sendo assim, investiu em títulos do governo de longo prazo (linha rosa) a taxa fixa.

Essa não foi uma boa ideia, porque deu ao SVB uma dupla sensibilidade a taxas de juros mais altas. Do lado do ativo do balanço, taxas mais altas diminuem o valor desses títulos de dívida de longo prazo. Do lado do passivo, taxas mais altas significam menos dinheiro investido em tecnologia e, como tal, uma menor oferta de depósitos baratos.

Isso não significa que o SVB enfrentasse uma crise de liquidez na qual não atenderia às retiradas (embora, novamente, qualquer banco que se deteriore o suficiente de alguma forma possa enfrentar uma corrida repentina). O principal problema é a lucratividade. As empresas, ao contrário dos depositantes de varejo, são altamente sensíveis ao rendimento de seus depósitos. Quando as taxas aumentam, as empresas esperam que seus depósitos rendam mais e movimentarão seu dinheiro se isso não acontecer. A maioria dos depositantes individuais não liga. E os depositantes do SVB são predominantemente empresas.

O rendimento dos ativos do SVB é ancorado pelo nível de títulos do governo de longo prazo comprados quando as taxas estavam baixas; enquanto isso, seu custo de financiamento está aumentando rapidamente. No quarto trimestre, o custo dos depósitos aumentou 2,33%, ante 0,14% no último trimestre de 2021. Isso é ruim, mas não letal: os ativos remunerados da empresa renderam 3,36% no quarto trimestre, ante 1,99%, resultando em um spread menor, mas ainda positivo. Mas os custos dos depósitos continuarão subindo à medida que mais depósitos rolarem, mesmo na ausência de novos aumentos nas taxas.

É por isso que o SVB vendeu US$ 21 bilhões em títulos. Ele precisava reinvestir esses recursos em títulos de prazo mais curto, para aumentar o rendimento e tornar seu balanço mais flexível diante de qualquer novo aumento das taxas. E então precisava levantar capital para repor as perdas sofridas nessas vendas (se você comprar um título quando as taxas estão baixas e vendê-lo quando as taxas estão altas, você sofre uma perda).

Por que a maioria dos outros bancos não enfrenta uma crise semelhante? Em primeiro lugar, poucos outros bancos têm uma proporção tão alta de depósitos comerciais quanto o SVB, de modo que seus custos de financiamento não aumentarão tão rapidamente. No Fifth Third, um típico banco regional, os custos de depósito atingiram apenas 1,05% no quarto trimestre. No gigantesco Bank of America, o número era de 0,96%.

Em segundo lugar, poucos outros bancos têm tanto de seus ativos bloqueados em títulos de taxa fixa quanto o SVB, em vez de empréstimos de taxa flutuante. Os títulos representam 56% dos ativos do SVB. No Fifth Third, o número é de 25%; no Bank of America, é de 28%. Isso ainda é um monte de títulos, mantidos em balanços bancários abaixo de seu valor de mercado. Os baixos rendimentos dos títulos serão um empecilho para os lucros. Isso não é surpresa nem segredo, porém, e os bancos com negócios mais equilibrados do que o SVB devem ser capazes de lidar com isso.

As margens líquidas de juros da maioria dos bancos (rendimento de ativos menos custo de financiamento) logo começarão a se comprimir. Isso faz parte de um ciclo normal: quando as taxas sobem, os rendimentos dos ativos sobem rapidamente e os custos dos depósitos sobem. Gerard Cassidy, analista bancário do RBC, espera que os NIMs 2atinjam o pico no primeiro ou segundo trimestre e diminuam a partir daí. Mas todos sabiam que isso aconteceria antes de o SVB bater nas pedras. O RBC realizou sua conferência bancária anual esta semana, na qual todos os principais bancos regionais falaram. Apenas uma (Key Corp) reduziu sua orientação para receita líquida de juros.

2 A margem de juros líquida ou NIM denota a diferença entre a receita de juros auferida e os juros pagos por um banco ou instituição financeira em relação aos seus ativos que rendem juros.

Para a maioria dos bancos, taxas mais altas, por si só, são boas notícias. Elas ajudam o lado do ativo do balanço mais do que prejudicam o lado do passivo. Claro, se as taxas são mais altas porque o Fed está apertando a política, e esse aperto na política empurra a economia para a recessão, isso é ruim para os bancos. Os bancos odeiam recessões. Mas esse risco também era bem conhecido antes do péssimo dia do SVB.

O SVB é o oposto: taxas mais altas o prejudicam no lado do passivo mais do que o ajudam no lado do ativo. Como resume o analista do banco da Oppenheimer, Chris Kotowski, o SVB é “um outlier sensível a passivos em um mundo geralmente sensível a ativos”.

SVB não é um canário na mina de carvão bancário. Seus problemas podem causar uma perda geral de confiança que prejudica o setor, mas isso exigiria uma metáfora diferente: gritar fogo em um teatro lotado, talvez. Os investidores devem manter a calma e manter os olhos nos fundamentos.

Tenho duas observações: uma gestão muito ingênua do SVB — será que ninguém ensinou a eles que essa é a maneira clássica de quebrar um banco? Além do mais, acreditavam que os juros ficariam baixos por tanto tempo? Depois, para empresas de tecnologia – start ups, suas maiores clientes, que depositavam seus recursos nesses bancos. Não entendo mesmo, queriam ganhar uns trocos a mais? Já correm riscos enormes dos seus negócios, para que correr mais risco? O dinheiro deveria estar num Bank of America ou JPM.

O estrago foi generalizado, pois afetou todos os bancos ontem, inclusive os grandes conforme a figura abaixo. Para mim foi mais evento de medo que uma reação racional e para um mercado que estava querendo cair, esse foi o triger.



Todas essas observações parecem elementares para quem passou pelo mercado financeiro quando as condições eram mais reais e não falsificadas com juros artificialmente baixos.

No post decisão-não-fazer-nada fiz os seguintes comentários sobre a nasdaq100: ... “No cenário de alta a situação não é muito confortável na ótica de Elliot Wave, conforme apontado abaixo, seria essa a contagem nesse cenário. Para que o leitor possa entender minha desconfiança o movimento elencado na elipse, embora correto, não parece ter the right look.” ...



A queda de ontem coloca mais em cheque o cenário de alta. Se realmente a alta estiver em curso, demarquei uma área que chamei “tem que aguentar!”, entre 11,8 mil/11,5mil. Se romper para baixo, complica a onda 5 em verde.



Minha inclinação até a semana passada estava mais para a alta e agora estou mais para a queda – viu, mudei de ponta sem ficar vermelho! Hahaha ... No post acima, elenquei uma possibilidade e hoje estou colocando uma nova, onde a queda seria tão extensa com essa, mas não ocorreria de forma direta.



Como podem notar acima, está tracejado em azul claro o triângulo que poderia estar se formando estando agora na onda D) em verde, em seguida uma alta levaria à complementação da onda E), para em seguida completar a onda 2) em laranja ao redor de 9,5 mil, o que daria uma queda do nível atual em 20% semelhante ao cenário levantado anteriormente no post acima.

Os leitores conhecem minha tendência de não confiar nas comparações de movimento com situações passadas. Hoje em dia se deve tomar muito cuidado com essas comparações, pois o mundo mudou — na década passada tínhamos inflação baixa e crescimento positivo pequeno, o que se denomina Goldilocks, hoje a inflação é elevada e o crescimento robusto.



 O gráfico acima compara a nasdaq100 com o indicie Dow Jones na época de 70. Gosto mais o uso do Dow Jones por concentrar empresas de maior porte que naquela época eram industriais o que se parece mais com o momento atual. Só acho que a escala pode fazer muita diferença, por exemplo, enquanto o Dow caiu aproximadamente 50% naquela data, pelo gráfico a nasdaq cairia 75%. Fica aqui registrado!



O SP500 fechou a 3.857, com queda de 1,57%; o USDBRL a R$ 5,2133, com alta de 0,94%; o EURUSD a € 1,0637, com alta de 0,54: e o ouro a U$ 1.869, com alta de 2,12%.

Fique ligado!

Comentários