O inimigo silencioso #USDBRL


Durante mais de uma década, o mundo viveu uma ilusão dourada. A inflação parecia domada, a política monetária tinha virado ciência exata, e os investidores — confiantes — construíram portfólios moldados para uma era de estabilidade. Aquele ambiente foi um acidente histórico, e não uma conquista permanente. O inimigo silencioso está de volta — e ele não se parece em nada com o de antes.

O novo regime inflacionário não é apenas um problema cíclico, é estrutural. A Bridgewater, no relatório A New Era of Higher Inflation Risks, traça um retrato desconfortável: o “batimento cardíaco” da inflação global subiu, e a antiga meta de 2% virou mais um piso do que um teto. A partir de agora, o investidor precisa conviver com uma realidade que mistura Estado intervencionista, geopolítica protecionista, dólar vulnerável e revolução tecnológica imprevisível.

O Estado como motor inflacionário

Nos anos 2010, a globalização e a disciplina fiscal criaram uma força desinflacionária quase perfeita. Hoje, a maré virou. Os governos voltaram a ser atores centrais na economia — e não pela eficiência, mas pela escala. Os EUA, mesmo em plena fase de crescimento, sustentam um déficit público próximo de 7% do PIB. Gasta-se como se estivéssemos em recessão, mas sem a contrapartida de investimentos produtivos. Comentário meu: No Brasil, conhecemos muito bem esse assunto.

Esse desequilíbrio opera por três canais de pressão inflacionária: primeiro, injeta demanda onde ela não é necessária; segundo, destina recursos a setores politicamente prioritários, e não eficientes; e terceiro, desloca o capital privado ao elevar o custo de financiamento. É o velho crowding out [expulsão por falta de espaço], agora em escala global.

O caso europeu reforça o alerta. Países que enfrentaram austeridade na década passada agora expandem o gasto público sob a bandeira da “segurança energética” ou “transição verde”. A retórica é nobre, mas o efeito é o mesmo: mais dinheiro em circulação, menos produtividade marginal.

A erosão da independência monetária

Talvez o risco mais subestimado seja político. A independência dos bancos centrais — pedra fundamental do controle inflacionário desde os anos 1980 — começa a ser corroída. Nos Estados Unidos, Donald Trump elevou o conflito a um novo patamar, criticando abertamente o Federal Reserve e ensaiando movimentos para submeter a instituição à Casa Branca.

Quando o poder político captura a política monetária, a história é previsível: juros mantidos abaixo do necessário, desvalorização cambial e perda de credibilidade. A consequência vem em cadeia — o dólar enfraquece, commodities sobem, e a inflação se retroalimenta.

A Bridgewater chama atenção para esse ponto: quanto menor a independência do banco central, maior a inflação média de longo prazo. E o risco não é teórico — basta lembrar o que aconteceu nos anos 1970, quando o Federal Reserve de Arthur Burns cedeu à pressão política e o mundo entrou na era da “estagflação”.

A globalização em marcha à ré

O novo mercantilismo de Trump é o oposto da revolução globalizante dos anos 1990. Tarifa sobre tarifa, o governo americano busca reverter meio século de integração produtiva. A ideia de reconstruir o parque industrial doméstico soa patriótica, mas seu preço será medido em inflação estrutural.

Ao quebrar as cadeias de suprimento globais, o mundo substitui a eficiência pelo isolamento. Cada país tenta garantir “autossuficiência” — o que significa fábricas menos produtivas e produtos mais caros. É um processo comparável a uma desglobalização com juros: paga-se mais para produzir menos.

Enquanto isso, o dólar vive uma fase de vulnerabilidade inédita. As forças que o sustentaram — juros reais altos, credibilidade institucional e capital estrangeiro abundante — começam a se enfraquecer. Se o dólar entrar num ciclo de desvalorização sustentado, a inflação americana será, em parte, importada.

A herança psicológica da inflação

Inflação não é apenas um fenômeno econômico — é também psicológico. Depois de uma década de estabilidade, empresas e consumidores perderam o “medo” dos preços. Agora, após o choque de 2021-2023, o pêndulo oscilou para o outro lado: o repasse de custos virou reflexo automático.

Quando o comportamento muda, o sistema inteiro se reprograma. Trabalhadores exigem aumentos antes que a inflação corroa seus salários; empresas reajustam preços preventivamente; governos indexam benefícios. O resultado é um ambiente onde cada choque, por menor que seja, encontra terreno fértil para se propagar.

Bridgewater alerta: uma onda inflacionária costuma preparar o terreno para a seguinte. É o aprendizado perverso — quando todos esperam inflação, ela se materializa.

A IA: aliada ou cúmplice?

A Inteligência Artificial é o único vetor que pode romper essa espiral, mas seu impacto líquido é ambíguo. No curto prazo, o investimento maciço em data centers, energia e metais críticos (cobre, prata, urânio) é claramente inflacionário. A demanda por eletricidade cresce mais rápido que a oferta, e a transição energética, longe de ajudar, agrava o gargalo.

O potencial deflacionário virá apenas se — e quando — os ganhos de produtividade se materializarem em larga escala. A questão é o timing. Se a IA reduzir custos, pode derrubar preços; mas se apenas aumentar margens e lucros, o efeito será neutro sobre o consumidor. Apostar que a tecnologia compensará todos os choques estruturais é, como diz o relatório, “um ato de fé especulativo”.

A vulnerabilidade dos portfólios

Enquanto isso, os investidores continuam mal posicionados. A velha fórmula 70/30 — 70% em ações, 30% em títulos — tornou-se uma armadilha. A correlação negativa entre os dois, que parecia uma lei da física financeira, foi apenas um fenômeno temporário da era de baixa inflação.

Quando o ambiente muda, ambos sofrem ao mesmo tempo: os juros sobem, as ações caem e os títulos perdem valor. Metade das piores perdas históricas em portfólios tradicionais ocorreu em períodos de inflação inesperada. A lição é clara: quem não diversificar com ativos reais — commodities, ouro, inflação implícita — estará vulnerável.

O novo normal

A ideia de que a inflação voltaria tranquilamente à meta de 2% foi mais um dos mitos da pandemia. O “último meio ponto” é o mais difícil — e é nele que muitos bancos centrais podem tropeçar. O relatório da Bridgewater conclui que o risco de inflação estruturalmente mais alta veio para ficar.

O mundo caminha para uma década de tensões entre o gasto público, a pressão política e os limites da produtividade. O investidor que não reconhecer essa mudança viverá no passado — e pagará o preço no presente.

Talvez a lição mais incômoda seja esta: a inflação nunca morre, apenas hiberna. E quando desperta, como agora, traz consigo a memória das crises que já causou. O inimigo silencioso está de volta — e não pretende sair de cena tão cedo.

 

Análise Técnica

Fiz os seguintes comentários no post “back-to-business”: “Ficamos de espectador esperando o mercado nos dizer para onde quer caminhar, isso não deve demorar muito. O intervalo entre R$ 5,55 e R$ 5,27 é de aproximadamente 5%”


Existem momentos em que não se tem muito a acrescentar, o dólar ameaçou recuperação, mas devolveu parte da alta se mantendo exatamente no nível que na semana passada. Com esse espectro, a tese de queda ganha uns pontinhos a mais. Para relembrar os leitores esse objetivo se situa ao redor de R$ 5,00 conforme destacado no retângulo.

Eu vendo o dólar nessa situação? Não, ainda aguardo o rompimento de R$ 5,2695.


O S&P 500 fechou a 6.852, com alta de 0,17%; o USDBRL a R$ 5,3582, com queda de 0,33%; o EURUSD a € 1,1518, com queda de 0,16%; o ouro a U$ 4.011, com alta de 0,23%.

Fique ligado!

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