Permanecendo nas Cavernas #S&P 500
A imagem das cavernas sempre exerceu um fascínio contraditório. De um lado, enviam ao tempo remoto da Pré-História, quando o homem buscava abrigo contra predadores, intempéries e frio. De outro, tornaram-se metáfora poderosa para retratar momentos em que a sociedade, pressionada por circunstâncias externas, se recolhe novamente a esses refúgios simbólicos. Não deixa de ser irônico perceber que, em pleno século XXI, depois de toda a sofisticação tecnológica, o impulso de voltar à “caverna” se fortaleceu.
Durante a pandemia, escrevi sobre isso em dois momentos distintos. O
primeiro, em março de 2021, no texto “Caverna 2021”, quando as vacinas
começavam a ser aplicadas e as pessoas passavam a enxergar a casa não apenas
como refúgio, mas como centro de trabalho, consumo e lazer. O segundo, em
agosto de 2022, em “a-volta-as-cavernas”, quando a vida retomava sua
normalidade, mas o trabalho remoto já havia se enraizado. Desde então, a
tendência só se consolidou: reuniões migraram definitivamente para o Zoom, entrevistas
se tornaram videoconferências, refeições passaram a ser pedidas no aplicativo e
até os passatempos se voltaram às telas.
Esse retorno ao ambiente fechado não foi apenas uma mudança de
comportamento individual; tornou-se um vetor econômico de enorme peso. A
indústria de games é um exemplo eloquente. A Electronic Arts (EA), dona de
franquias como EA Sports FC, Madden NFL, The Sims, Apex Legends e Battlefield,
registrou no ano fiscal de 2025 receita de aproximadamente US$ 7,5 bilhões, com
EBITDA entre US$ 1,9 e 2 bilhões e lucro líquido de cerca de US$ 1,1 bilhão,
mantendo margens robustas de 25% no EBITDA e 14% no lucro. Não por acaso, o
mercado vinha negociando suas ações a um múltiplo de preço/lucro em torno de 38
vezes, embutindo a expectativa de crescimento anual de 12% nos lucros e de 4%
nas receitas, sustentado por microtransações, assinaturas e relançamentos de
franquias consolidadas.
A leitura dos artigos recentes sobre a empresa expõe de forma cristalina
essa conexão entre o comportamento social e o desempenho corporativo. Em
análise do Wall Street Journal, o jornalista Dan Gallagher destacou como a
expectativa em torno de “Battlefield 6” — um título aguardado após dois
fracassos anteriores da franquia — elevou as ações a máximas históricas e
reforçou a ideia de que a EA tinha encontrado o momento certo para realizar
movimentos estratégicos. A aposta não é apenas no jogo em si, mas no prolongamento
do engajamento dos jogadores, cada vez mais retidos por conteúdos adicionais,
assinaturas e transações contínuas dentro dos próprios títulos.
John Authers, em sua newsletter da Bloomberg, foi além ao relacionar o
caso da EA à própria dinâmica dos mercados. Para ele, grandes aquisições em
momentos de múltiplos elevados muitas vezes sinalizam topos de ciclo — como foi
com a fusão AOL/Time Warner em 2000 ou a abertura de capital da Glencore em
2011. Embora não haja certeza de que este seja o caso atual, a coincidência
entre valuations inflados e operações bilionárias suscita a reflexão: não
estaríamos diante de mais um marco na escalada de preços impulsionada pelo
entusiasmo em torno da inteligência artificial e do consumo digital?
O paralelo com o passado histórico das cavernas é inevitável. Lá atrás,
os primeiros grupos humanos buscavam na pedra um abrigo contra ameaças
externas. Hoje, as cavernas são tecnológicas, feitas de telas, conexões e
conteúdos digitais. A diferença é que o confinamento não se deve ao frio ou ao
medo de predadores, mas à atração irresistível da conveniência, do
entretenimento instantâneo e da vida mediada por algoritmos. Se antes a caverna
limitava, hoje ela seduz.
Os movimentos de mercado, assim como os de comportamento social,
carregam uma lógica cíclica que alterna euforia e retração. A EA, com seus
números robustos, se encontra no ponto exato em que o sucesso pode se tornar
também vulnerabilidade: qualquer deslize em uma franquia ou mudança no padrão
de consumo ameaça corroer expectativas. É nesse intervalo entre confiança e
cautela que os grandes investidores atuam, não raro antecipando o risco antes
que ele se materialize. Ao optar pelo recolhimento estratégico dentro de uma
estrutura privada, a empresa sinaliza que prefere fortalecer suas defesas do
que se expor ao escrutínio implacável do mercado aberto.
O curioso é que, quanto mais a tecnologia avança, mais reforça a lógica
do enclausuramento. Os games, que começaram como passatempo, tornaram-se um
ecossistema de sociabilidade, competição e até carreira. A geração que passa
horas dentro desses ambientes virtuais está, de certo modo, vivendo a versão
digital da caverna pré-histórica. O conforto, a previsibilidade e a
familiaridade substituem a incerteza da vida lá fora. Mas, assim como no
passado, há riscos. O isolamento prolongado enfraquece laços sociais, reduz a
exposição ao inesperado e pode, paradoxalmente, limitar a criatividade que
nasce do confronto com o novo.
Ao observar esse movimento, não posso deixar de pensar que a volta às
cavernas não é apenas uma metáfora cultural. É também um reflexo econômico e
financeiro. Empresas como a EA prosperam porque respondem a essa demanda
latente de permanecer no abrigo. Investidores de peso apostam bilhões porque
acreditam que essa tendência não será revertida tão cedo. E o mercado, embalado
pelo entusiasmo, fecha os olhos para a possibilidade de que, como em outros
ciclos, o excesso de confiança se transforme em armadilha.
Assim como o homem pré-histórico aprendeu a sair da caverna e conquistar
novos espaços, talvez também precisemos encontrar um ponto de equilíbrio. A
caverna moderna é confortável, mas não pode se tornar prisão. O desafio está em
usar a tecnologia como ferramenta de expansão, e não como muros invisíveis que
nos fazem esquecer que o mundo continua lá fora, esperando ser explorado.
Análise Técnica
No post “Mounjaro na economia” fiz os seguintes comentários sobre o
S&P 500: “Como havia comentado acima, a bolsa continuou subindo e
atingiu recordes diários – minhas férias custaram caro! Hahaha. O objetivo
passa a ser 7.146 / 7.197 e vou procurar entrar em uma correção quando houver.
Fiquem atentos ao Mosca”.
A correção aconteceu, mas foi mínima, uma queda de 1,9%. Será que vale a pena entrar? Não me parece um bom risco-retorno. Seria necessário associar um stop loss em torno de 1,5% para tentar buscar 2,5%.
Ontem comentei sobre um Bull Market e como o que acontece na bolsa
americana parece ter entrado nesse estado desde 2022. Essa sensação de não
haver oportunidade para entrar é característica. Também não me sinto
confortável em entrar a qualquer preço, o que ocorre apenas em situações
específicas. Vamos ver até onde consigo ficar sem posição em um mercado em
alta.
Em relação ao gráfico acima, não sei se a onda (4) vermelha terminou e já ruma para completar a onda (5) vermelha. Se não terminou, talvez seja possível entrar em uma retração. Fiquem atentos ao Mosca.
O S&P 500 fechou a 6.688, com alta de 0,40%; o USDBRL a R$ 5,3213,
sem alteração; o EURUSD a € 1,1738, sem alteração; e o ouro a U$ 3.857, com
alta de 0,62%.
Fique ligado!
Comentários
Postar um comentário