O bom menino #EURUSD

 

Quando vi Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, com seu visual “correto”, lembrei imediatamente da figura do bom menino — aquele que obedece sem contestar. A impressão se confirmou na entrevista à Bloomberg, quando defendeu uma queda de juros de no mínimo 150 pontos-base. De onde ele tirou esse número? Como na velha música, “o bom menino não faz xixi na cama” — mas, se atendido, este pode provocar um estrago de respeito. A afirmação de que “qualquer modelo” indicaria uma taxa 1,5% a 1,75% mais baixa é, no mínimo, um salto lógico perigoso. Basta olhar para a famosa Taylor Rule, ou para a adaptação de Gregory Mankiw, para ver conclusões opostas.

Historicamente, nunca houve uma taxa de fed funds tão baixa em um cenário com núcleo de inflação acima de 3%. O comentário de Bessent não é apenas economicamente questionável, mas politicamente revelador: Donald Trump quer juros menores e mais controle sobre o Fed. A independência da autoridade monetária, desde o fim do padrão-ouro em 1971, foi essencial para sustentar o dólar como moeda de reserva global. E enfraquecê-la, cedendo ao calendário político, é brincar com fogo. O exemplo britânico pré-1997 é claro: manipulação de juros antes das eleições e freio logo depois — ótimo para ganhar votos, péssimo para a economia.

Se o objetivo for reduzir os juros longos para aliviar o custo da dívida pública, a experiência recente mostra que o efeito pode ser o inverso. O corte agressivo de setembro passado, por exemplo, elevou o rendimento do Treasury de 10 anos. Já a pressão pela desvalorização do dólar parece estar funcionando — e, curiosamente, beneficiando mercados emergentes, cujo índice superou o pico de 2021.

O ouro também surfa esse movimento. Livre das tarifas que chegaram a ameaçar sua importação, o metal se fortaleceu como porto seguro em meio aos ataques à credibilidade do Fed. A cotação quase dobrou em três anos, superando até o Bitcoin desde a posse de Trump 2.0, e impulsionando mineradoras, que entregam fluxo de caixa recorde e recompram ações. A invasão russa à Ucrânia, ao quebrar a confiança no sistema financeiro global, reforçou o ouro como reserva de valor, sobretudo para países do BRIC. A correlação tradicional com juros reais se desfez desde 2022, sinal de que o ativo ganhou peso geopolítico.

Mas não é só o ouro que chama atenção. Há outro terreno fértil que merece destaque: os mercados emergentes. A gestora AllSpring, com US$ 600 bilhões sob administração, defende que estamos diante de um ponto de virada (“Tipping Point”) para esses países. A última década foi de “excepcionalismo” para ações dos EUA, enquanto os emergentes patinavam sob moedas fracas, crises imobiliárias e choques geopolíticos. Agora, sinais concretos indicam inversão de tendência — e três países lideram essa mudança: China, Índia e Indonésia.

A China deve crescer 3% a 4%, apoiada por estímulos fiscais, recuperação do consumo e avanço em tecnologias como automação industrial, direção autônoma e inteligência artificial. Já a Índia, quase 20% do índice MSCI EM, projeta expansão de 5% a 6%, sustentada por consumo interno, investimentos em infraestrutura e fortalecimento do mercado de capitais doméstico. A Indonésia, menos comentada, deve manter PIB entre 4% e 5% até 2026, apoiada em commodities, manufatura e turismo.

Além do potencial econômico, há um fator tático: diversificar para fora dos EUA em um momento de volatilidade doméstica. As políticas comerciais e imigratórias de Trump, somadas à pressão inflacionária, fragilizam a narrativa do “excepcionalismo” americano. O dólar mais fraco e as avaliações historicamente baixas tornam os emergentes mais atraentes. Hoje, o MSCI EM negocia a menos de 12x lucros, desconto superior a 40% em relação ao S&P 500.


O futuro desses mercados também está ancorado na revolução tecnológica. Taiwan e Coreia lideram a produção de chips; Índia e Taiwan concentram grandes data centers; México, Chile e China fornecem cobre e lítio essenciais à IA. Além disso, setores como fintech, saúde, telecomunicações e bens de consumo essenciais oferecem potencial de crescimento estrutural.


Evidentemente, os riscos seguem elevados: volatilidade acentuada, vulnerabilidade a crises políticas e desvalorização cambial abrupta. Por isso, a AllSpring enfatiza que a abordagem precisa ser ativa e seletiva. Investir com foco em qualidade, rentabilidade, dividendos e liquidez aumenta a resiliência frente a choques. O prêmio de risco das ações emergentes está em 4,1%, muito acima dos 0,7% dos EUA.


Se o “bom menino” de Washington busca agradar ao chefe com juros mais baixos, o investidor atento deve olhar para além da política monetária americana. O deslocamento de capital dos mercados desenvolvidos para os emergentes pode ser o grande movimento desta década. E, ao contrário de seguir modelos simplistas que ignoram a realidade, esta é uma aposta que, com análise criteriosa e disciplina, pode render frutos consistentes. Vale também a ressalva do Mosca o barato sempre pode ficar mais barato.


Análise Técnica

No post “empurrando-com-barriga” fiz os seguintes comentários sobre o euro: “começo a trabalhar com a hipótese de queda mais acentuada do euro, com possibilidade de atingir a paridade ou até níveis próximos de € 0,90. Iniciei posição vendida no rompimento de € 1,1555, conforme sugerido anteriormente, com *stop loss* no ponto de entrada e objetivo inicial da onda (1) vermelha em € 1,12”

 

Poucos dias depois fomos estopados e a análise acima fica congelada. Como vou mostrar a seguir, ainda existe a possibilidade de o cenário de queda mais extenso ocorrer, mas esta opção está na linha do pênalti, seria necessário que o euro voltasse a cair — caso contrário, a alta deveria se estender por mais tempo.

- David, se você acredita que ainda pode cair, por que não ficou no trade?

 Essa opção de queda, denominada de “Leading Diagonal”, é difícil de navegar. Ao invés de uma onda padrão, se caracteriza como intempestiva, subindo e descendo de forma abrupta. Só fazem sentido entradas nos extremos, como por exemplo agora, com o euro a € 1,1668, e um stop loss a € 1,1789 (- 1%). Mas esse tipo de operação é para quem está ativo no mercado no dia a dia, o que foge ao objetivo do Mosca.

O S&P 500 fechou a 6.468, sem variação; o USDBRL a R$ 5,4187, com alta de 0,35%; o EURUSD a € 1,1649, com queda de 0,47%; e o ouro a U$ 3.336, com queda de 0,59%.

Fique ligado!

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