Contabilizando vento #IBOVESPA

 


No coração do mercado financeiro americano, onde a racionalidade deveria reinar, uma história recente desafia qualquer lógica e expõe a fragilidade do conceito de valor. A SharpLink Gaming, uma empresa de marketing para apostas esportivas que valia irrisórios US$ 2 milhões, metamorfoseou-se em um colosso de US$ 2,5 bilhões. O segredo? Um anúncio de que compraria Ethereum com US$ 425 milhões captados em uma oferta privada liderada por Joseph Lubin, cofundador da criptomoeda e CEO da Consensys. O mercado, em sua peculiar sabedoria, decidiu que cada dólar de Ethereum no balanço valia seis. Bem-vindos à era onde o vento é registrado como ativo, e o mercado paga caro pela brisa.

Matt Levine, em sua coluna na Bloomberg, destila o fenômeno com a acidez necessária: “O mercado de ações americano paga US$ 2 ou mais por cada US$ 1 de cripto.” É uma arbitragem tão gritante que parece farsa. Empresas como a SharpLink, que mal atendem aos requisitos mínimos para permanecer na Nasdaq, tornam-se veículos ideais para essa mágica. São cascas vazias, com listagem pública, mas sem substância operacional. Basta adicionar criptomoedas ao balanço, e pronto: o mercado as transforma em unicórnios. Como Levine ironiza, se você tem algumas centenas de milhões sobrando, por que não comprar Ethereum, embrulhá-lo em uma empresa pública e vendê-lo com 500% de lucro? Quem precisa de lucros reais quando se pode contabilizar vento?

Essa narrativa ecoa temas já explorados no Mosca, onde se aponta a desconexão entre valor intrínseco e preço de mercado em momentos de euforia. A SharpLink não produz nada tangível – suas receitas são insignificantes, seu modelo de negócios, nebuloso. Ainda assim, foi agraciada com uma valorização que ignora métricas tradicionais. Essa mania por criptoempresas reflete um mundo em turbulência, com tensões geopolíticas e manobras financeiras que moldam o cenário econômico. As disputas por petróleo na Guiana entre Exxon e Chevron, as ameaças de Trump de redirecionar verbas de universidades para escolas técnicas e a disparada dos títulos japoneses com especulações sobre mudanças na emissão de dívida – todos esses eventos, monitorados de perto, mostram um ambiente onde investidores buscam refúgio em ativos que prometem retornos astronômicos, mesmo que feitos de fumaça.

A ironia é que essa valorização é, em grande parte, ilusória. Os investidores da SharpLink, que agora controlam 97% da empresa, geraram US$ 2 bilhões em “lucro” no papel. Mas, como Levine questiona, como converter isso em dinheiro real? As ações estão travadas por restrições de venda, e o volume de negociação é mínimo. Uma tentativa de venda em massa derrubaria o preço. É o dilema clássico das criptomoedas, agora no mercado de ações: você é bilionário no papel, mas tente sacar sem desmoronar o castelo de cartas. O Mosca já alertou para esses “bilionários de mentira” em análises sobre bolhas cripto, como a derrocada da FTX, onde fortunas evaporaram quando a confiança se foi.

Esse fenômeno não é isolado. Ele se entrelaça com um cenário global de incerteza. Enquanto bancos como o HSBC cortam analistas, investidores apostam em rochas para absorver carbono e navios encalham em quintais, a ascensão da SharpLink é um sintoma de mercados que confundem especulação com investimento. Mas há um ângulo mais técnico, igualmente intrigante: a manipulação de mercado. A história de Avi Eisenberg, relatada por Levine, ilustra o limbo regulatório do universo cripto. Eisenberg manipulou o preço do token MNGO na plataforma Mango Markets, inflando suas posições para extrair US$ 100 milhões. Sua defesa? “Tudo dentro das regras do protocolo.” Um juiz anulou suas condenações por fraude, argumentando que ele não mentiu – apenas jogou conforme as regras. Em um sistema onde “o código é a lei”, a ausência de normas claras cria um playground para manipulações, uma dinâmica que, como já observado, transborda para mercados tradicionais quando a regulação não acompanha.

O Mosca sugere que se crie uma linha no balanço chamada “vento”, resume a essência dessa farsa. Empresas como a SharpLink não têm valor patrimonial que justifique suas capitalizações. São castelos no ar, abraçados por um mercado movido por FOMO e pela crença de que sempre haverá quem pague mais. Essas euforias, porém, têm prazo de validade. A história da SharpLink é mais um capítulo na saga de mercados que compram narrativas em vez de realidades. Enquanto o mundo ferve com crises e inovações, o convite permanece: olhe além do brilho, questione o valor e, acima de tudo, não compre vento.

 

Análise Técnica

No post “mudança em curso” fiz os seguintes comentários sobre a IBOVESPA: “ Sei que, ao optar por liquidar a posição ao alcançar o objetivo, pode ser difícil reingressar no mercado. Por outro lado, permanecer investido e assistir a uma eventual retração, após atingir um alvo traçado, pode ser frustrante. Dado que as bolsas internacionais parecem indicar uma possível pausa, decidi liquidar a posição na abertura, a 140.109 pontos, deixando o mercado determinar se minha decisão foi precipitada”.




Por vezes, faço citações que refletem parte da minha experiência com os mercados, afinal, são 45 anos de atuação. Quando mencionei acima que “pode ser difícil reingressar no mercado”, a bolsa me colocou exatamente nessa situação. Meu receio era uma onda 4 azul que pudesse retrair 5% – o que, convenhamos, não é pouco! Então, o que me levou a sair?

Inicialmente, nunca se sabe a verdadeira extensão de uma queda. Além disso, como destaquei no retângulo, o término da onda 4 azul deveria se estender até junho. Aqui, cabe um adendo: a Teoria das Ondas de Elliott não é muito precisa para determinar a duração das ondas, mas ainda assim serve como um indicador relevante.




Ficaria surpreso se a bolsa iniciasse agora o movimento de alta rumo à onda 5 azul, com objetivo em 148,8 mil pontos. Analisando numa janela de 1 hora, é possível extrair alguns insights: primeiro, o movimento desde a máxima ocorreu em três ondas, o que sugere uma correção; segundo a recuperação dos últimos três dias também se configura em três ondas, indicando que ainda não é possível afirmar que o movimento de alta está em curso. Vamos observar o que o mercado nos revela nos próximos dias.

O S&P 500 fechou a 5.888, com queda de 0,56%; o USDBRL a R$ 5,6949, com alta de 0,96%; o EURUSD a € 1,1290, com queda de 0,33%; e o ouro a U$ 3.295, com queda de 0,11%.

Fique ligado!

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